Nas últimas semanas tenho viajado em trabalho pelo Portugal profundo. E o que se vê é um país maravilhoso, diverso na paisagem, nas gentes, com um clima acolhedor. Em todo o lado sentimos uma cultura ancestral evocada na arquitectura, no falar, nos sabores. Conheço muitos países e não conheço outro com tanta personalidade e diversidade.
Mas quando entramos nas aldeias transmontanas, nas cidades do interior, ou quando molhamos inadvertidamente os pés pela subida discreta das águas salgadas da Ria de Aveiro, ou quando atravessamos o coração da velha Marinha Grande, o que sentimos é tudo o que descrevi e um abandono dramático. Sentimos que houve um país forte que trabalhava e que alguém decidiu amputar, desprezando a agricultura, o Mar, a paisagem e sobretudo toda aquela gente que por ali vive e que foi deixada à sua sorte. Vemos os restos de um país e rostos que agora resistem ao tempo e à memória.
isto não é neo-realismo. É a realidade. Porque não se reestruturaram a tempo as fábricas da Marinha Grande, porque não pensámos em exportar o que é nosso e genuíno, porque matámos a criatividade? Porque não soubemos evoluir, fazer uma ponte entre o passado e os desafios do futuro.
Abandonámos o que fazíamos bem por um punhado de euros, de projectos de novos-ricos, desprezámos o valor do trabalho manual em prol de tecnologias do momento que passados poucos anos ficaram obsoletas. A Marinha Grande com as suas fábricas de moldes falidas ou a indústria do vidro, mesmo as fábricas novas, em declínio total.
Quando visitamos o Mercado do Bulhão percebe-se como se pode matar algo de extraordinário que ali havia. A Câmara do Porto começou por tornar impossível estacionar na zona. Logo os clientes preferem ir aos supermercados onde se estaciona de borla. Depois deixou desmoronar aos poucos o edifício. O que seria resolúvel com umas pequenas obras, tornou-se impossível com a degradação e a falta de clientes, tirando umas aventesmas de turistas ridículos de máquina fotográfica e que não consomem. Compare-se o mercado das Ramblas em Barcelona, da mesma época, e compreende-se como nós temos um especial jeitinho para a destruição.
Um país que, na verdade, merecia muito melhor. O problema não é o Sócrates. Também é, mas é sobretudo esta casta de medíocres que nos governam há anos, nos vários níveis de poderes e poderzinhos.
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