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segunda-feira, março 14, 2011

À rasca sem causa.

Há várias panelas de pressão social a ferver em Portugal. E na Europa. O descontentamento e a frustração é geral nas gerações mais novas e há desespero incerteza e medo nas gerações dos pais e avós daqueles que se manifestaram no passado sábado um  pouco por todos o país.


As razões para o estado de coisas a que tudo isto chegou são vastas e não se podem reduzir a este ou aquele nome da liderança política. Todos têm responsabilidades. Os políticos, os empresários e o povo.

Nos últimos 20 anos construímos uma sociedade assente no paradigma do consumo, do crédito e do facilitismo, quer na vida estudantil, quer no Mundo do trabalho. O início desta aventura sem regresso começou com os anos de fartura do cavaquismo, com milhões de euros a entrarem diariamente no país
(mesmo antes do euro) em forma de projectos que estavam mal estruturados, subsídios a fundos perdidos, facilidade do crédito muitas vezes quase a juros zero.

A escola tornou-se fácil, o negócio das universidades privadas e subsidiadas pelo Estado produziu milhares de licenciados analfabetos (começando pelo primeiro-ministro), cursos inúteis, ilusões de uma formação académica de bórla. Os empresários preferiram jogar na bolsa ou por a massa lá fora em aplicações de retorno fabuloso e marimbaram-se em ter empresas modernas, com vocação para exportarem e criarem sólidos empregos. Os políticos optaram pelo marketing, apagaram a ideologia dos partidos e muito pior: afastaram-se dos eleitores num tempo em que a interacção está na sociedade, começando nas redes sociais.

Os partidos envelheceram e engordaram uma casta de parasitas que vivem de tachos, empregos a termo, graxa.

As empresas desprezaram a produtividade, já que pagando pouco nunca tiveram grande urgência em racionalizar meios. As responsabilidades sociais das empresas são cada vez menos. Têm como objectivo lucros sem protagonismo social. E também é verdade que muitas empresas já não conseguem pagar 14 meses por ano a quem trabalha 11, mais impostos e descontos brutais para a segurança social.

As novas gerações marimbaram-se na política e sempre consideraram como adquiridos os direitos, a democracia. Como nunca tiveram que lutar por nada, tudo lhes foi dado de bandeja, sempre acharam que tinham direito a um emprego, carro para irem para a faculdade, dinheiro para ir às discotecas, comprarem roupa de marca e irem de férias para o estrangeiro. A ideia de trabalho, mérito e competência, nunca foi interiorizada pela juventude.

O resultado está aí. Mesmo os trabalhadores séniores caíram na maior das comodidades.

Veja-se o que aconteceu na classe dos jornalistas tradicionalmente irreverente. O sindicato passou a ter um papel irrelevante, as comissões de trabalhadores perderam todo o poder e até os conselhos de redacção ficaram vazios de poder. Quando Sócrates acabou com a Caixa dos Jornalistas, um atentado vil contra a classe, não houve ninguém a reclamar. Quando empresas como o JN despediram cento e tal jornalistas de uma forma selvagem, a repercussão foi quase nula na classe.
A forma como a entrada de estagiários e de arregimentados a recibos verdes tem invadido as redacções, transformando o jornalismo numa actividade praticada por inexperientes e assalariados com cotação mais baixa que uma mulher a dias....silêncio, ninguém tugiu nem mugiu.

Veja-se o que aconteceu no mundo da fotografia profissional. Foi invadido por putos a viverem nas casas dos pais com uns kits Canon ao ombro e a aceitarem trabalhos por preços inferiores aos de estafeta de pizas. Rebentaram o mercado, lançaram o amadorismo e nunca serão ninguém na profissão porque desceram ao nível mais rasteiro. Mas aprenderem fotografia, estudarem e fazerem um esforço por serem diferentes, raramente se vê essa atitude.

O xico-espertismo deu lugar ao saber e ao estudo. Aliás, Sócrates é o melhor exemplo do facilitismo: tirou o curso pela sorrelfa numa espécie de rifa.

Portanto: as manifestações de sábado, são o reflexo destes anos sem luta e sem consciência de classe.

Num país que acaba de reeleger um presidente que no final do mandato vai ter tantos anos de poder como o defunto Moubarak, um eleitorado abstencionista que nem se manifesta das eleições, um povo que não se manifesta como opinião pública, que não participa e que se rendeu às maravilhas que julgavam adquiridas, estavam à espera de quê? De que os paizinhos lhes arranjasse, emprego? Isso era dantes!

Sem ideologia e sem luta política não se vai a nenhum lado. Nada é dado de bandeja. E a democracia conquista-se diariamente. Em todas as frentes. na escola, no trabalho, na família, na vida. Temos de saber o que queremos e para onde queremos ir.

5 comentários:

  1. concordo ctg LUÍZ CARVALHO...axo que a solução passará por dar valor a quem o tem , pelos trabalhos feitos e não por presuntos dados por tás das portas...eu tb vejo isso na minha área de fotografia e vídeo...até me arrepiei outro dia qd vi casamentos filmados por pessoas que não percebem nada aquilo:são imagens desfocadas, planos que não existem, imagens aos trambolhões...eu sei lá...até me estava a dar vómitos...mas acredito que as coisas têm de mudar...felicidades para o teu trabalho.RUI RESSURREIÇÃO.

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  2. Helder Pimenta6:35 da tarde

    Eu se tivesse um Porsche também dava importância ao que tinha.

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  3. Ora aqui está uma descrição correcta do que se passa e que aponta o real culpado, todos!
    Ainda à pouco tempo comentava com um amigo que se fala demais em direitos e pouco (ou nada) em deveres.
    Há coisas que são (ou foram) realmente dadas de bandeja e talvez seja esse o problema. Já não há bandejas para toda a gente... e agora?

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  4. Concordo que esta geração esteja à "rasca" Mas também acho que muitos são "rascas". Veja-se a indisciplina, o facilitismo e o 'deixa andar' no ensino! A creche mantém-se e prolonga-se pelo "ensino obrigatório"!
    Depois vem a facilidade de tirar "1 canudo", com a proliferação de "cursos superiores". Basta ver a listagem de cursos oferecidos,até devem existir "cursos-superiores-para-pregar-pregos". Depois tem que haver emprego qualificado para toda esta gente, que é e foi iludida e enganada?!...

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  5. Muito, muito bem escrito. Concordo mesmo com o que aqui escreve e acho preocupante que a fotografia esteja assim entregue à falta de profundidade, de reflexao e de concentraçao destes meninos que se prestam a tudo por um valor baixissimo ou mesmo em estagios gratuitos interminaveis, tornando assim impossivel que se mantenham preços de trabalho justos. Cumprimentos

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