domingo, novembro 07, 2010
Rever o Portugal cinzento entre festivais e o debate Soares-Cunhal
A reposição do debate de 1975 entre Soares e Cunhal na RTP-Memória trouxe-me um regresso ao passado traumatizante.
Dois dias antes, a fazer zapping refastelado no sofá, acabei por parar num Festival dos festivais onde fantasmas do chamado nacional-cançonetismo (uma pérola inventada pelo meu amigo João Paulo Guerra) me faziam rir e chorar. A distância entre o festival onde Calvário cantava Oração, e o debate de 75 onde Cunhal gritava a revolução, e Soares a contra-revolução, é de uns curtos 11 anos.
Era um Portugal triste, cinzento, chato, um país que já se levava demasiado a sério, quer perante cantigas de embalar, quer na política de adormecer.
No concurso das cantigas era tudo comedido. Os quadros das classificações a giz, a orquestra dirigida pelo maestro Tavares Belo empolgante, embora os violinos mais parecessem máquinas de serrar presunto!... De voz bem colocada, Artur Garcia parecia de veludo, embora as câmeras dirigidas por Ruy Ferrão (o decano das reportagens em Fátima) não tugissem nem zoomissem.
Tirando homens como Luis Andrade, Baptista-Rosa ou Augusto Cabrita, e mais alguns mestres pioneiros, a RTP era uma coisa amadora e triste. E isso passou para o período a seguir ao 25 de Abril. Agravou-se mesmo.
Naquele tempo já não se fazia televisão assim em nenhum país civilizado. Já havia a noção do timing, do ritmo e da realização eficaz.
O meu amigo Joaquim Letria estava ali deslocado. Quando José Megre apresenta o início do debate, engasga-se, emenda, as cãmeras tremem e tudo aquilo parece um velório.
Havia fumo por todo o lado. Não eram efeitos especiais! Era fumarada dos cigarros dos apresentadores. A malta fumava em estúdio, frente às câmeras! Era lindo! Cunhal começava a falar envolto em fumo de cigarro, parecendo um fantasminha brincalhão! Deixem-me dizer que naquele tempo eu já não autorizava namoradas a fumarem no meu quarto!!
Um debate que durou 3 horas e meia, onde os entrevistados falavam 30 minutos seguidos sem serem interrompidos e sem se interromperem. A educação era muito bonita!
Um dos entrevistadores saiu mesmo a meio, em directo, não para vir fumar cá fora, pois podia-se fumar lá dentro, e o realizador mostrou o lugar vazio! Só faltou Soares saír para vir à casa de banho, Letria aproveitar para marcar um bife no Snobe na cabine telefónica, equanto Cunhal dissertava sobre as virtudes do estalinismo? Fantástico!
Até podia ter acontecido o debate acabar quando cada um por si se viesse embora numa saída de estúdio à francesa!!!! Maravilhoso!
Portugal mudou. Embora programas daqueles nos divertissem hoje mais e se poupassem uns euros a pagar a uns miúdos armados em engraçados!
Quando me lembro o que se criticou Soares Louro por ter introduzido a televisão a cores e quando reparo nos mônos que a RTP despachou no tempo de Proença de Carvalho e de Maria Elisa, nem dá para acreditar. Lembro-me de quererem imolar a Maria Elisa porque tinha ido a Londres encomendar um separador com as letras da RTP a tombarem.
E daqui a 35 anos como veremos a televisão de hoje?
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"E daqui a 35 anos como veremos a televisão de hoje?"
ResponderEliminarMuito melhor, sem MÁRIO CASTRIM ...ops, mas com imberbes que se adoram fotografar com cavaco silva...hó saloio olha o balão!!!!!L.R.
"Deixem-me dizer que naquele tempo eu já não autorizava namoradas a fumarem no meu quarto!!"
ResponderEliminarUi que profundo, quanta moralidade...talvez só quantificada na imbecilidae de um Macário Correia.....DASS!!Ganda ARTISTA!L.R.
tá bem , mas..."só conheci 2 politicos com carácter: A.O.S. e A.C.!" -Antonio Champalimaud. Ups!!!
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