Os roteiros de Cavaco Silva são como uma longa peregrinação pelo país que restou de um tempo a que nos habituámos a chamar de cavaquismo. O país que cresceu e não se desenvolveu, o país que apostou no betão, no alcatrão em forma de duas faixas, que o socratismo transformou em três vias na forma de SCUTS. O desgraçado país que Cavaco-Presidente percorre com o cajado do sub-desenvolvimento e da exclusão, acompanhado pela Primeira-Dama a distribuir rosas em forma de sorrisos pelos pobrezinhos, é o que sobra de um tempo inútil em que não se planeou o futuro mas a ganância e a possidoneira do novo-riquismo. Um tempo que gerou apaniguados políticos, boys, uma casta de saloios encartados que desceram da província à procura de um lugar ao Sol na política ou nos negócios laterais a ela.
O cavaquismo que pagou caro a destruição das pescas, da agricultura, o país que esqueceu a escola pública e abriu universidades privadas como quem abria supermercados, o país dos funcionários públicos promovidos em automático, o país do professor de economia despesista e benfeitor de clientelas políticas. Cavaco visita hoje o que resta da sua política imediatista, sem visão, sem estratégia política. Passa pelos destroços do Cavaquistão e esquece-se que são as suas ruínas que pisa.
Ao ver Cavaco na TV a lamentar-se do elevado número de desempregados, a retratar um país na fossa e a seguir pedir coragem aos inadiáveis defuntos, só não percebo porque estando ele na política activa desde 1985 o país afinal não melhorou: escorregou para o abismo mais ou menos próximo.
Num dia diz que Portugal é inviável, no outro pede coragem, à saída de mais uma inauguração apela à união de facto entre o partido que o apoia para se recandidatar e o partido cujo dirigente detesta de forma visceral. Cavaco ensaia a técnica do duche frio-duche quente numa massagem tailandesa para relaxar uma base social de apoio flutuante, ainda ferida pela aprovação dos casamentos gay e do IRS com efeitos retroactivos.
Ao afirmar que o tempo dos governos de iniciativa presidencial já foi e que agora têm de ser os "agentes políticos" a fazê-lo, não parece que seja uma frase muito simpática para o governo. Parece dizer: isto não está a dar, temos de mudar a coisa. Uma frase que não une, desperta o rastilho das eleições e parece apoiar o arauto do neo-liberalismo, do coveiro do Serviço Nacional de Saúde, da liberdade de imprensa, do Estado Social. No fundo é com esses que Cavaco quer renovar a licença de habitação em Belém: a velha e caprichosa ideia da direita: um Presidente, uma maioria.
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