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segunda-feira, julho 07, 2008

O polícia que não esquece Maddie

Gonçalo Amaral, terça-feira passada na Praia do Alvor. Foto LC/Expresso

Os dedos estão amarelos pelo uso do cigarro atrás de cigarro. Quando chego ao seu encontro mal o reconheço. O corte do bigode à Saddam mudou-lhe a face e sem aqueles óculos espelhados panorâmicos como um pára-brisas ainda menos se reconhece.
Está calor e o encontro numa cervejaria de Portimão ajuda a refrescar o ambiente. Está um dia sufocante e aquele homem que protagonizara o filme real do drama real, que foi o desaparecimento da pequena Maddie, estava agora ali sentado, sózinho, no dia que era o primeiro do resto da sua vida: Gonçalo Amaral era a partir daquela manhã um polícia na reforma, por sua vontade, embora tenha apenas 49 anos.
Na véspera pôs um boné que um seu mestre lhe oferecera, e que nunca usara, e como era o último dia de acção encerrou uma truculenta carreira de inspector da Judiciária apanhando dois mil e quinhentos quilos de haxixe a bordo de uma traineira. O último golo. Uma façanha de pequena grandeza profissional, comparada com a responsabilidade anterior como coordenador e líder de equipas que trabalharam nos casos Joana e Maddie.

Gonçalo está nervoso, vê-se na voz e num riso para dentro que disfarça. Há muito que este personagem me despertava a curiosidade, por isso fiquei entusiasmado em o ir fotografar para o Expresso, esta semana no Algarve. É uma figura de filme.
Lera sobre Gonçalo descrições incríveis sobre a sua personalidade e pelo estilo muito pessoal em campo, na investigação. Percebi logo que era um anti-burocrata, alguém que usava o instinto, a emoção, a inteligência na investigação. Também se percebia que era invejado e só não o derrubariam se não pudessem. Puderam e tramaram-no.
Para um profissional empenhado ver a carreira manchada por calúnias, depois de uma demissão primeiro conhecida pelos jornais, sem explicações da hierarquia, sem respeito. Perdemos a dignidade e o sentido da honra. O inspector não resistiu e demitiu-se da Judiciária, a polícia que era a sua vida. Escreveu ao director da PJ que gostava de Mozart a dizer-lhe que tinha direito à sua honra. Nunca teve resposta e o próprio director acabou despedido no meio da confusão.
Sacrificou conforto, família, para ter uma recompensa em forma de desprezo.
Ao ouvi-lo em off percebe-se que muito há a saber ainda do caso Maddie. Que houve procedimentos que ficaram por esclarecer, testemunhas por ouvir, pormenores por esclarecer. Houve uma pressão insuportável do poder político, da imprensa, da opinião pública.
Há factos que são factos e que por si não se podem provar, mas há factos que só por si exigiriam medidas jurídicas concretas. Porque nunca se avançou contra o casal pelo facto de ter havido óbvia negligência ? É um dos mistérios.
Quando lhe sugiro para o fotografar na Praia da Luz, a mulher que tinha entretanto chegado, diz-me: "Não lhe peça isso! Pelo que conheço do Gonçalo ele nunca mais na vida vai querer ir à Praia da Luz!".
Por troca Gonçalo aceita ser fotografado na Praia do Alvor, o local onde termina o livro que sairá logo que o segredo de justiça seja levantado, e onde passou largas horas a jantar e almoçar num restaurante local de peixe, com os seus colegas polícias ingleses.
Digo-lhe que passeie na praia e me esqueça. Vou fotografando atrás dele, mais parece um leão enjaulado na sua própria liberdade, quando lhe peço para se pôr junto à água hesita:"Nunca se sabe se esta zona é pantanosa!"- e avança pisando antes o terreno com rara prudência.
Depois convida para umas sardinhas, que ele próprio acaba de assar e retira do grelhador. Passados uns minutos de franca descontracção parte já o Sol começa a caír. Tem de ir buscar as filhas. A mais pequena tem uma idade muito próxima à de Maddie.
Abraça a mulher, põe os já emblemátcos óculos de Sol espelhados, arranca rumo ao futuro.

Gonçalo Amaral reformou-se.
Tudo me leva a acreditar que, mesmo resistindo a si próprio, Gonçalo Amaral vai voltar um dia ao local do crime.

PS: Goncalo Amaral reformou-se aos 49 anos e começou a trabalhar aos 14.

8 comentários:

  1. Em Portugal , quantos não se queriam reformar aos 49 anos???? Quantos?

    Agora, querem prolongar o caso Maddie para os livros, cinema, etc .
    Quantos casos investigados em Portugal, foram arquivados sem culpa formada? Quantos ????

    Este é diferente! Este dá muito dinheiro, por isso, vai rolar por ai ,até à ultima gota , desde que haja dinheiro e interesse politico!

    Quanto ao Homem policia, é fruto do nosso sistema que não é muito diferente dos outros países. Entram na policia para combater os
    criminosos e saem para os proteger!

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  2. Concordo com tudo que aqui diz o comentador anterior: como é possivel este ex-policia reformar-se aos 49 (quarente e nove...!!!) anos? é habitual na P.J.? que previlégios são estes? quem está por detrás disto, e a troco de quê? POR FAVOR haja alguém que me explique, a mim e ao país, em nome, e por respeito, a todos os portuguêses que têm a mesma idade, caíram no desemprego, e que depois de acabar o Fundo de Desemprego ficam abandonados sem direito a qualquer tipo de reforma...!!! HAJA DECORO...!!!
    Quanto ao Gonçalo Amaral, acho-o muito diferente, mudou muito nestes ultimos meses, a imagem que passava antes era a de um cidadão bastante descuidado com a sua imagem, até poderá ser por força do trabalho...( os ingleses dirão que era fruto de muito ócio e muito alcool ) o que eu acho na verdade, é que, o Homem terá feito uma autentica operação de cosmética, e aparece agora com um ar muito mais civilizado. No que respeita à competência profissional do ex-policia, bom, eu sempre disse que tenho muitas dúvidas sobre isso, seja porque não sabem, porque não querem, ou porque não os deixam, em resumo, são mauzinhos e desleixados, só espero que o livro que agora vai escrever, ou alguém o vai fazer por ele, tenha mais qualidade que a média das nossas policias.
    G.J.

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  3. Dois comentários recalcados e preconceituosos, os anteriores, e com alguma estupidez, talvez ignorância, para ser mais simpático.

    E, já agora, transcrevo o meu comentário abaixo para aqui, por ser mais adequado neste post:
    «Confesso que estranhei a forma algo simpática como o Luís de Carvalho se referiu, neste post, ao inspector Gonçalo Amaral. E acho que percebi a atitude, hoje, ao ler o Expresso, quando vi que a foto em que este aparece a assar sardinhas foi tirada pelo Luís.

    O Luís de Carvalho é um homem de emoções, de facto. Achando que um dia destes tem mesmo que ir comigo à pesca, convite que já lhe fiz, podendo aprender muito sobre “polícias”. Porque nada melhor que conhecer as pessoas na sua intimidade.
    E mais não digo. Ou talvez diga… num livro. Sabe-se lá, sabe-se lá…»

    JJ

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  4. Pergunta um anónimo: que previlégios são estes?expliquem... a todos os portuguêses que têm a mesma idade, caíram no desemprego, e que depois de acabar o Fundo de Desemprego ficam abandonados sem direito a qualquer tipo de reforma...!!! o "invejoso" português no melhor
    comparara-se um licenciado em direito, que optou por uma profissão de risco com a cambada de indiferenciados, que por terem a mesma idade têm que ter direitos iguais, os riscos foram os mesmos?os descontos foram os mesmos?o estatuto de aposentação é o mesmo?fizeram algo de util? ou habituaram-se só ao subsidio?

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  5. Amigo Luiz:
    Altere lá o "tudo me faz QUERER", por "tudo me faz CRER".
    Não vale a pena agradecer!

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  6. Este texto escrito pelo Luiz Carvalho inevitavelmente fica sob fogo cerrado, ao ser publicado na blogosfera, tratando-se de um caso tocou o Mundo.

    E o direito ao disparate também é um direito que nos assiste. É o que se me oferece dizer, após a leitura de alguns comentários aqui publicados.

    A saída do Senhor Inspector Gonçalo Amaral, do Caso Madeleine, por decisão do Director Nacional da PJ é uma condenação sem culpa formada, nitidamente, a pedido do Poder Político.

    Um Poder Político que também afastou no passado, inspectores da PJ, de investigações sobre crianças abusadas (entre outros).

    Enfim, mais uma vergonha para o nosso País, a que se juntam outras tantas, na área da Justiça.

    Eu estava a ver era, que ainda mandavam prender o Senhor Inspector Gonçalo Amaral. Mais um bocadinho, e se calhar era o que acontecia.

    E os criminosos que fizeram desaparecer Madeleine McCann a "rirem-se" disto tudo.

    Criminosos com muita "manhosice" médica, diga-se. Conseguiram ludibriar o nosso Laboratório de Polícia Científica, que apesar de muitas necessidades não resolvidas, vai fazendo as omeletes sem os ovos.

    É tão triste tudo isto. Faz-nos sentir tão ridículos e ao mesmo tempo, tão inseguros assistir a "ruídos" desta natureza.

    Mas o ruído que mais me perturba, é:

    - O silêncio de Madeleine.

    Provavelmente, eterno.

    Tão eterno como o sentimento de revolta do Inspector Gonçalo, senão mais voltar ao local do crime.

    Bem Haja, Senhor Inspector.

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  7. Os patetas preconceituosos, e ignorantes, para não lhes chamar estúpidos, dos dois primeiros comentários não percebem uma coisa elementar, e que se chama dignidade.
    Este polícia perante o que lhe fizeram só tinha uma coisa a fazer, mandar à merda quem lhe deu "o pontapé no rabo", usando as palavras do próprio. Foi o que ele fez. E não foi o único, pois conheço pelo menos dois...!

    E se tem a reforma aos 49 anos não é o único e, garanto, ao vir embora com esta idade prejudicou, e muito, a sua vida particular, porque ainda tinha uma longa carreira pela frente.

    Mais, ao contrário dos mangas-de-alpaca que servem os políticos e dos funcionários de muitas empresas públicas, veio sem qualquer indemnização, com acontece com muita gente que se reforma, e nem todos do Estado, e que ficam a ganhar o mesmo que a trabalhar, até à idade normal da reforma, usufruindo de fundos de pensões, pagos também por todos nós, mas de que só eles beneficiam, recebendo, em alguns casos, dezenas de milhares de euros por se virem embora.

    Por isso, eu adjectivo alguns dos comentadores de patetas, porque o que lhes importa é que se reformou aos 49 anos, e não o que está por detrás disso e que é, repito, uma atitude de dignidade, numa profissão cada vez mais subjugada à promiscuidade política e onde se tem que falar muito baixinho se não se quiser ficar parado na carreira, e se esquecem, ou não sabem, repito, do que perdeu em relação ao que ainda tinha a ganhar na sua carreira.
    Mais, alguns dos que criticam esta aposentação aos 49 anos, quando eram jovens andaram nas putas e hoje estão fodidos, ao contrário deste polícia que entrou como agente (actualmente, a designação é de inspector) e chegou a inspector coordenador (antes, era a designação era de inspector), à custa de muito esforço e de tempo tirado aos amigos e à família para conseguir a licenciatura em direito, sem as benesses de licenciaturas “independentes”, e sem a qual nunca teria passado da categoria mais baixa da PJ.

    Até o Luís de Carvalho percebe isto, de tal forma que com ele saboreou umas sardinhas.

    JJ

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  8. Caro JJ, não quis falar de dignidade, e principalmente, de DIGNIDADE PROFISSIONAL, porque quem comenta da forma que se comentou, aqui, na 1ª e 2ª posição, é de tal modo curtinho de neurónios, que não perceberia o que representa para um polícia de investigação, a Dignidade Profissional.

    pura perda de tempo....


    É o que temos, Caro Amigo.

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