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segunda-feira, março 24, 2008

Um retrato desfocado de Robert Capa

Tive uma espécie de choque ao ver ontem o filme de Patrick Jeudi, " L`Homme qui voulait croire en sa légende" sobre Robert Capa. Comprei o DVD há tempos em Paris, só ontem o visionei. O retrato que Jeudy faz de Capa não é lá mais favorável. A tese do filme é mais ou menos esta: Foi Gerda Taro, a namorada de Capa que morreu na Guerra Civil espanhola, que fez dele uma figura idílica. Começou por lhe mudar o nome: do original André Friedman passou a chamar-se Robert Capa. Depois o húngaro recém chegado a Paris levou um banho de loja: roupa nova à galã americano, cigarro ao canto da boca e passou a apresentá-lo como um repórter famoso de guerra recém chegado da América.

Em Espanha Gerda não largou o namorado mas a dada altura decidiu emancipar-se e as suas reportagens que vinham sempre assinadas a dois passaram a ser assinadas em caixas altas como de Gerda Taro. O filme vai mostrando tudo isto, embora logo ao princípio haja uma explicação do realizador que Cornell Capa, irmão e herdeiro de Robert ( Bob) também fotógrafo, não autorizou a divulgação de nenhuma das fotos de Bob, mesmo as já vistas.

O realizador foi buscar filmes da época, de qualidade inacreditável, e conseguiu encontrar imagens de documentários que têm as mesmas cenas de algumas fotos de Capa. Mais: alguns desses fotogramas sobrepostos às fotos confundem-se completamente.

A sequência mais dolorosa acontece quando vemos a célebre foto do soldado republicano a cair e outra foto feita no mesmo local, fundo igual, tudo igual, de outro soldado também a cair. O que leva a desconfiar que houve encenações. Aliás era muito frequente na época fazerem-se cenas para as câmaras. As imagens que se vêem da resistência republicana são quase sempre limpas, bem enquadradas, boa luz e sente-se muita encenação nos actores reais. Portanto: não são só as televisões de hoje que mentem !

A morte de Gerda provocou em Capa uma grande depressão que o levou ao álcool e ao jogo e só a reportagem sobre o nascimento de Israel o terá tirado da crise. Ele era judeu convicto e praticante. Para sobreviver Capa fez um pouco de tudo em fotografia. Desde fotografia de moda a cores, em 6x6, em Paris, a reportagens com figuras famosas como Hemingway de quem ficou amigo ou com Ingrid Bergman de quem ficou amante.

Demorou oitenta minutos para fazer História com as fotografias do desembarque na Normandia, usou 4 filmes dos quais sobreviverem 12 fotos depois de terem sido esturricadas no secador da delegação da LIFE em Londres.

A sua morte trágica foi de uma ironia terrível. Aconteceu quando ele já se tinha retirado da fotografia de guerra e estando perto da Indochina, a inaugurar uma exposição no Japão, o editor de LIFE telefonou-lhe ( 1954) desafiando-o para substituir um fotógrafo que já estava farto de Indochina e de guerra.

Robert Capa aceitou voltar ao lugar onde tinha sido feliz. Um erro que nem um herói deve cometer. LC

4 comentários:

  1. Por acaso tenho em lista de espera para ver o filme sobre o Robert Capa "In Love and War". Acredito que não deva ser muito diferente desse que viu, uma vez que quase tudo aquilo que descreve do filme já eu tinha lido (se não me engano no Shooting Under Fire - um GRANDE livro sobre fotojornalismo de guerra). Esse pormenor dos vários soldados a cair como forma de encenação é que não conhecia.

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  2. Pelos vistos o melhor é desconfiar sempre.... Embora o talento seja confiável e isso é mais de meio caminho andado! :)

    Gosto especialmente da sua conclusão; remete-me para uma outra frase: "nunca voltes ao lugar onde já foste feliz; por muito que o coração diga, não faças o que ele diz". A verdadeira Regra da Sensatez!

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  3. De facto não é muito abonatória para Capa, esta versão da história.
    Resta-nos esperar por outra que também possa ser credivel e que nos deixe mais confortável com os nossos ídolos.
    De qualquer forma, para mim, isto fortalece quem anda nestas coisas do jornalismo fotográfico e que trabalha com alguma consciência e ética fotográfica.

    Paulo Sousa

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  4. Boas, eu já vi diversas exposições
    de Capa, a ultima em Badajoz na
    antiga prisão hoje museu.Ora nessa
    altura a questão era saber quem era
    o miliciano e de que região de Espanha.Nessa expo havia outra foto de um miliciano que caía de um modo muito semelhante,lembro bem,era uma sequencias de imagens,
    começava em foto de grupo e depois
    o ataque destes homens.Mas enfim
    Capa será sempre um Mestre,apesar..

    L.Reis

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