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sábado, junho 16, 2007

O jornalismo do papá e o futuro digital


Não resisto a citar este post do António Granado, no seu Ciberjornalismo:

O texto, bastante longo como verão, é do enviado José Manuel Fernandes a um encontro internacional de directores e patrões de jornais no Mundo.

As ideias e angústias mantêm-se na imprensa tradicional. Como migrar para as plataformas multimédia ( net, telemóveis) mantendo o público tradicional do papel que é o que dá verdadeiramente lucros. A convergência e as linguagens de acordo com os suportes mantêm a chama viva da mudança.
LC.

Receitas? Não há. Há experiências, tentativas, urgência. E uma certeza: a crise da imprensa escrita só se resolve mudando de paradigma e passando a vê-la como a marca da fiabilidade das notícias que circulam no papel, na net ou nos telemóveis da geração i-pod

David Trads é um veterano dos jornais gratuitos. Há dez anos esteve no lançamento do Metro na Dinamarca e, agora, é o director de um novo gratuito que se propõe mudar as regras do jogo num dos países do mundo onde os cidadãos lêem mais jornais: o Nyhedavisen.

Dinheiro não lhe falta: um investidor islandês colocou à disposição do projecto de 100 a 200 milhões de euros. Tem tempo: só em 2010 está previsto que o seu jornal comece a dar resultados positivos. E também tem meios, pois dirige uma redacção de 100 jornalistas e a empresa distribuiu o jornal casa a casa. Em nove meses já conquistou 300 mil leitores e tem como meta chegar ao milhão.

No palco do 16º Congresso do Fórum Mundial de Directores (organizado pela Associação Mundial de Jornais) era todo sorrisos - pelo menos até Tøger Seidenfaden, o director do Politiken, o grande jornal de referência da Dinamarca contra-atacar.
"Os jornais nunca são gratuitos, sobretudo em países ricos como o nosso, onde tempo é dinheiro. Com o Metro, em que os leitores pegavam voluntariamente, sinal de que iam dedicar-lhe algum tempo, isso era um valor. Agora a enfiar os jornais nas caixas do correio, o mais certo é ninguém lhes pegar", argumentou Seidenfaden..

Trads apenas o contrariou insistindo que no tempo em que se acede à informação na internet, na televisão e na rádio sem pagar nada, os jornais não devem esperar que os leitores continuem a dar dinheiro por eles.Ao fim de quase quatro dias de reuniões e inúmeras sessões, este momento de maior intensidade condensa o dilema que mais de 400 directores de jornais (e mais de mil proprietários e gestores) debateram nos imensos salões do novíssimo Centro de Congressos da Cidade do Cabo, na África do Sul.
Há um futuro para a imprensa escrita no tempo da informação digital? Há um futuro para a imprensa paga no tempo da informação gratuita?
Há possibilidade de conservar o jornalismo de qualidade quando, em boa parte dos países desenvolvidos, a circulação e as receitas de publicidade estão em queda?
É certo que esses ainda não são os problemas de muitos editores, em especial dos que ali estavam a representar jornais africanos. Esses, como lembraram, têm outras urgências mais básicas, como assegurar o abastecimento de papel, terem máquinas onde possam imprimir e, sobretudo, conseguirem resistir à pressão e intimidação de muitos governos africanos nada amigos da liberdade de imprensa. Mas isso não os fez sair da sala: afinal as oportunidades que os mais desenvolvidos estão a testar podem permitir-lhes saltar etapas.

Na verdade, se a alguma conclusão se chegou, é que é tempo de tentar fazer tudo ao mesmo tempo, pois só de uma coisa se tem a certeza:
as mudanças estão a ocorrer cada vez mais depressa e vão em direcções que ninguém poderia prever há dois ou três anos. Mas para tal devem tanto os jornais como os jornalistas perceber o que andam por cá a fazer.
É a informação, estúpido!
Mario Garcia, o designer de Miami que tem trabalhado um pouco por todo o mundo, é uma figura já habitual nestes congressos, mas os anos parecem ter-lhe acrescentado energia à conta de muitos sucessos e insucessos.

Desta vez os directores só esperavam que ele moderasse o painel sobre as relações do design da home page (página de entrada) da Internet e da primeira página do jornal, mas ele não se ficou por aí. Tomou também a palavra para, entre muitos exemplos de boas e más práticas, sublinhar uma mensagem essencial:
no final do século XIX o caminho-de-ferro dominava o negócio do transporte de mercadorias e passageiros, depois foi perdendo terreno e companhias imensamente lucrativas foram à falência.
Porquê? Porque apareceram os automóveis e depois os aviões, responder-se-á. Não, contrapõe Mario Garcia: porque os caminhos-de-ferro entenderam que o seu negócio era o comboio, quando deviam ter percebido que o seu negócio era o transporte de pessoas e mercadorias
.
Corolário óbvio para o mundo dos jornais: o negócio da imprensa não é a imprensa escrita e imprensa em papel, é a informação. Ora pensando-se em informação percebe-se que é indiferente saber se esta chega a quem a procura num jornal, numa televisão, num computador ou no seu telemóvel.Vale a pena começar por este último, talvez o mais esquecido pelos produtores de informação. E, claro está, pelos jornalistas.
Estes assustam-se com a internet, mas esquecem-se que enquanto existem apenas 850 milhões de computadores em todo o mundo, há 2,7 mil milhões de telemóveis.

E que estes há muito que deixaram de servir apenas para telefonar. "Aquilo para onde se deve olhar se se quer ter futuro é para a geração do i-pod", sublinhou. Até porque o i-phone está a chegar e uma legião de fabricantes de telemóveis já está a copiar o conceito. Daí que grande parte do tempo do congresso tenha sido dedicado a como conseguir conciliar duas realidades aparentemente inconciliáveis: assegurar o que é a essência do jornalismo, isto é, a sua fiabilidade e a sua qualidade, e, ao mesmo tempo, o mesmo jornalista apresentar a informações que recolheu em plataformas diferentes que obedecem a regras diferentes.

Há uns anos atrás a palavra de ordem era "convergência multimédia" e falava do jornalista como se fala de qualquer "produtor de conteúdos" capazes de preencher tanto um espaço televisivo como uma página na web. Agora não se fugiu da ideia de convergência mas percebeu-se que mesmo podendo e devendo os jornalistas fazer tarefas dierentes das que faziam no passado, no fim do dia o que contará será a novidade da informação, a sua fiabilidade, a qualidade da apresentação, a abrangência dos pontos de vista e algo que dê confiança a quem procura informação.

Ora essa confiança só pode ser proporcionada por marcas de referências, e essas são as dos grandes jornais, rádios ou televisões. É a noção de brand (peço desculpa ao Provedor e a todos os puristas) que, vinda do mundo do marketing (idem para as desculpas), deverá funcionar como o "selo de qualidade" do que é confiável ou do que nos leva a olhar de viés.

Furacão de mudançasÉ evidente que nem tudo é pacífico para além de que, como diz Murdoch MacLennan, administrador executivo do Telegraph Media Group, "estamos no centro de um furacão de mudanças, provavelmente maior do que foi vivido em qualquer outro momento desde o nascimento da imprensa escrita".

Um furacão tão violento que Arthur O. Sulzberger Jr., presidente do New York Times, confessa que não sabe se continuará a imprimir o jornal daqui por cinco anos e, de forma quase provocatória, acrescenta: "e isso também não me incomoda muito".Bill Keller, o actual director daquele grande jornal, não se mostrou assim tão tranquilo durante um pequeno almoço que teve com uma dúzia de outros directores de jornais.

"Não tenho dúvidas que todos temos de mudar de mentalidade. Temos de pensar a informação não apenas em função do velho jornal, mas de todas as outras plataformas. Para mim a grande questão é como conseguiremos aguentar, e pagar, aos nossos actuais 1200 jornalistas quando as receitas do jornal impresso diminuem e as novas receitas estão a crescer mas não tão depressa como gostaríamos", disse o jornalista que tomou as rédeas do velho NYT depois de alguns escândalos que abalaram a sua credibilidade.

Algo já está a acontecer, e nem tudo como se teria previsto há alguns anos. Por um lado, a redacção da edição digital, que começou por ficar instalada num edifício separado da redacção principal, está neste momento a migrar juntamente com a outra para um novo edifício onde os seus jornalistas se disseminarão pelas diferentes secções.

Certas funções, como o design das páginas na web, obrigou o Times a questionar, e a rever, aquilo a que Keller chamou "as nossas regras de separação entre a Igreja e o Estado", pois os web-designers tiveram de, para optimizarem as páginas, de redesenhar ou mesmo desenhar os... anúncios. Noutros casos, foi necessário centralizar a decisão do que se divulga primeiro na net e do que se guarda para a edição do dia seguinte. Esta nova cultura obriga a questionar o que está a ser feito. Bill Keller, por exemplo, recordou que os repórteres que o jornal enviou à guerra no Líbano há um ano enviaram peças tão analíticas que podiam ter sido escritas na redacção.

Ou seja, se os repórteres desejam continuar a fazer a diferença - a serem os olhos do leitor num lugar onde o leitor não está presente - então devem continuar a ser repórteres. Ora isso implica que, ao mesmo tempo que preparam o seu texto cuidadosamente escrito, devem telefonar, enviar um SMS ou um e-mail para a redacção se tiveram conhecimento de uma notícia de última hora, de um "facto relevante".

Essa pequena informação será logo posta em linha, tornar-se-á notícia sem esperar pelo dia seguinte.Textos mais longos?Esta enorme revolução implica repensar tudo nas rotinas da velha imprensa escrita. O atrevido David Trads, do dinamarquês Nyhedavisen, o "gratuito de referência", fala de um jornal muito mais editado: "um jornal agradável para os leitores é um jornal que não é amigável para os editores, que vão ter muito mais trabalho".

No seu jornal ele diz ter o mesmo número de notícias num terço das páginas. Mario Garcia chega a algo semelhante por outro caminho: para ele os jornais vão ter de escolher, ou seja, dar mais espaço ao que julgam importante, menos ao que consideram menos relevante: "os artigos longos vão ser mais longos, os curtos vão ser mais curtos", sublinhou.Houve um murmurado bichanar na sala quando falou de artigos mais longos. Afinal não se havia Bill Keller, que trabalhou muitos anos como correspondente internacional do NYT e lutara para escrever sempre mais do que lhe davam como espaço, queixado da tendência dos jornalistas e editores para defenderem textos enormes?

É verdade, ninguém se esquecera. Só que Mario Garcia trazia uma novidade: os leitores mais depressa lêem um texto longo na net do que na edição impressa. O Poynter Institute, num estudo em que segue o olhar dos leitores, apurou que estes mais depressa lêem um artigo longo na net do que impresso. Porquê? Porque se ele estiver bem escrito e lhes prender a atenção, quem começa a ler acaba porque na web não se apercebe do tamanho do artigo.

No jornal impresso pode assustar-se.Esta curiosa, e surpreendente, conclusão permite a quem se empenha em fornecer uma informação de qualidade ter mais à-vontade na utilização das diferentes plataformas.
Foi assim que se multiplicaram os bons exemplos do que está a ser feito pelo mundo. Jornais clássicos, pesados, densos, como o alemão Die Welt, perceberam que, com o seu formato clássico nunca seria capaz de atrair leitores mais jovens - e assim lançou um segundo jornal, com a mesma marca (brand), o Welt Kompak, que em muito menos páginas apresenta o essencial da actualidade. Na Holanda o vespertino de referência, o NRC Handelsblad, lançou um gratuito para distribuição matutina.

Ambos fizeram-no praticamente com os mesmo jornalistas mas juntando num "centro de comando" único todos os editores.O tradicionalíssimo The Daily Telegraph, de Londres, não esteve com meias medidas: mudou de instalações, redesenhou todo o fluxo de trabalho assim como a organização da redacção e juntou os jornalistas do papel e on-line nas secções ao mesmo tempo que agrupou os editores numa "ilha" central a partir da qual radiam todas as secções.

A experiência foi tão turbulenta que o seu novo director, William Lewis, que tem apenas 37 anos, confessou que não se mete noutra na vida. Contudo, quando foi desafiado a responder numa ou duas palavras ao que considerava essencial para sobreviver mudando, foi curto e grosso: "Just do it" ("Façam-no, pronto").Mas como? Enfrentando todos os desafios ao mesmo tempo:
papel e net são apenas dois suportes diferentes; pago e gratuito podem conviver sob a mesma marca; os jornalistas têm de ser ao mesmo tempo melhores a escrever e ser capazes de fotografar, fazer um pequeno vídeo ou falar para uma câmara.

Em síntese: se o mundo acelera, quem confia apenas na caixa de mudanças automática fica para trás. É que esta, por melhor que seja, não consegue mudar de cultura e de paradigma. Pior: se se acredita que o jornalismo faz a diferença, deixá-lo morrer no turbilhão da mudança será fatal. Para não morrer, ou para não ficar para trás, então evite-se o erro das companhias de caminho de ferro: o negócio dos jornais não é vender papel, é serem os melhores a dar informação.

José Manuel Fernandes, na Cidade do Cabo /PUBLICO

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