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segunda-feira, março 05, 2007

Uma fotografia é uma fotografia


A fotografia não se resume ao fotojornalismo.
O exercício da expressão, o uso dos suportes disponíveis, qualquer que seja é livre.
A fotografia não é um dogma e ser fotógrafo não é seguir esta ou aquela cartilha.
É tão legítimo fazer reportagem, como retrato, fotografar em película ou em digital, usar instantes decisivos ou praticar poses longas.
A diversidade de estilos, estéticas, tendências, acabam por constituir a riqueza e o fascínio da fotografia.
Mas há uma condição para uma fotografia ser uma fotografia: coerência, estrutura narrativa, técnica, intenção, olhar, domínio da luz, cultura fotográfica.
Quando participei em 1982 no Mois de la Photo, um dos organizadores ao ver as minhas primeiras impressões não hesitou em me criticar: " podes fazer o que quiseres mas a qualidade técnica, o acabamento das fotos, tem de ser irrepreensível!". Tinha razão.

Ora, eu não critico os artistas plásticos por usarem o suporte fotográfico, tal como não critico a polícia por fotografar os suspeitos; só que uns e outros estão a usar a técnica fotográfica, não estão a usar a linguagem da fotografia.
Até podemos achar que esses retratos da polícia constituem um património valioso, e no limite artístico, como aconteceu agora com fotos antigas recuperadas, mas devemos manter alguma prudência, porque corremos o risco de perdermos critérios, referências.

Por exemplo a Helena Almeida faz instalações muito curiosas, e que gosto, depois o marido fotografa-as mas aquilo não é fotografia. São instalações fotografadas. Ela insiste que não faz fotografia mas os critícos insistem que ela é fotografa.
O que é definitivamente aberrante é aparecerem personalidades que desconhecem a História e a linguagem da fotografia e por arrogância decidem assumir que a fotografia e o seu exercício são práticas desprezíveis porque a fotografia não deve ser a representação da realidade e qualquer realismo ou relação com a verdade do real é uma fraude.

Para estes gabarolas o que conta é a colagem da fotografia à pintura e ao lobby das artes plásticas. Veja-se o caso do Molder: um pintor frustrado que tem sabido gerir uma carreira assente nos lobbys dos comissários e que é tão fotógrafo que nem sequer tira aquilo que ele chama de suas fotografias. É caricato, ridículo, mas é o que colhe em meios tão errados como o BESphoto, outra aberração cultural. Mas pegou, é um facto.


foto de Man Ray

4 comentários:

  1. Isto dá pano para mangas!

    É claro que existem pessoas que utilizam a fotografia como "um fim" e pessoas que utilizam a fotografia como "um meio".

    E cada vez que leio mais, mais baralhado fico.

    Por exemplo, como o Jorge Calado referiu numa das ultimas aparições da secção BesArte da revista do expresso, em relação a uma fotografia de Benoliel, escrevia ele que "Esta fotografia vale um tesouro. É, portanto, arte."

    Recentemente tivemos a atribuição do "maior prémio de fotografia do país, o besphoto. Mas maior em que sentido? Do valor monetário, claro. E isso é Arte. Se vale tanto, é arte.
    Mas este prémio também pode ser visto de outra forma: não se está a premiar arte fotográfica mas está-se a atribuir um valor a umas coisas que dizem ser "fotografia". E se aquelas "obras" valem assim tanto, então são arte, concerteza. O valor que o bes atribui é que lhe concedeu o estatuto de "arte".

    Estou desgraçado. Nunca vou conseguir fazer arte. Não consigo que alguém atribua um valor monetário ao meu trabalho. Ninguém daria um chavo pelas minhas fotos...

    E como escreve Alexandre Melo num dos seus livros, "Porque é que há obras de arte que custam uma fortuna? Porque há quem esteja disposto a pagar uma fortuna por elas. Pode até acontecer que um pequeno grupo de pessoas esteja disposto a pagar qualquer preço por obras que a esmagadora maioria não quereria nem dadas."

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  2. Paulo, muito bom o seu comentário. Vou pô-lo em post.

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  3. Não há problema nenhum em misturar linguagens, como não há problema nenhum em manter essas linguagens separadas. A questão aqui tem a ver com a incapacidade de muita gente de ver valor em abordagens diferentes. Não precisamos de conhecer a história da fotografia ou das artes plásticas para fotografar, embora ajude bastante, agora para comissariar exposições isso já me parece necessário, assim como uma boa dose de humildade, o que não me parece que aconteca com a pessoa em causa.
    O que eu vejo aqui é mais uma variante da exclusão social, neste caso aplicada à fotografia. Num plano "superior" (segundo o que se depreende) estarão os "artistas" e depois lá para baixo vêm os fotojornalistas e ainda pior os "amadores". Tudo o que se move abaixo do seu plano iluminado não existe e é apenas pó que acabará por ser soprado pelo vento.
    Ora assim como é possível tirar gozo estético de uma música de Perotin ou de um rock and roll dos Ramones, também é possível apreciar fotografias produzidas para objectivos muito diferentes, tal como o pepper #30 de Weston, as fotos do Ruanda de Natchway, ou os retratos de Karch.
    As artes não podem ser um campo de exclusão, baseado em considerações económicas ou de "classe", é o que eu defendo.
    Há valor em todos os campos artísticos, porque em todos há pessoas talentosas e preseverantes, mas também há muitas fraudes e vaidade humana, e é dessas que nos devemos afastar.

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  4. Concordo inteiramente com o comentário de Mário. As modernas formas de expressão artística deixam-me muitas vezes com esta dúvida: sou eu que não percebo ou alguém está tentar enganar-me, sem sucesso? Penso que a melhor forma é deixarmos que a nossa intuição fale. Assim, entendo a arte como aquilo que me estimula os sentidos e a imaginação. Deixar os limites da arte no campo do subjectivo: o que é arte para mim, não será necessariamente para outros. Admito que isto se complica quando há prémios e subsídios envolvidos. E é preciso haver cuidado nos critérios a usar. Parece que hoje, em certos meios, reinam os intelectualóides, que, numa obscuridade que os esconde do cidadão comum, põem e dispõem de recursos que, melhor distribuídos, poderiam estar a fertilizar uma população que já deu grandes provas de ser criativa. E não estou a falar só de dinheiro. O mais importante seriam as oportunidades de pelo menos ser-se visto (fiquei curioso quanto ao trabalho referido da Susan Meiselas, onde poderá ser visto?). Em tempos idos, tivemos alguns grupos de pessoas, que inovaram no campo artístico. O Almada Negreiros fez umas coisas bizarras na sua juventude (aquela conferência, onde aparecia grotescamente vestido, o Manifesto, A Invenção e por aí fora. mas tinha o objectivo de interpelar a sociedade. E a coragem para o fazer. Hoje, certas correntes da «arte» parecem-se mais com pequenos parasitas discretos, que vão sugando aqui e ali...

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