quarta-feira, fevereiro 21, 2007
Um dia como os outros
O que faz um pobre mortal que trabalha em fotojornalismo ?
Pela manhã passear o cão pelo pinhal com as ervas cheias de orvalho que vão sendo acariciadas pelas orelhas do Óscar, um basset hound porco e teimoso como todos os da sua raça. Mas muito querido.
Deixar o putinho na escola com ele todo atarefado para poder iniciar as brincadeiras sem pensar, nem saber que no Mundo as letras não têm grande utilidade e os desenhos uma trabalheira comparado com o divertimento que é a vida do Ruca e os vídeos sobre circo, que já sabe que os há também no You Tube.
Chegar ao jornal, pegar no saco e ir fotografar uma sumidade, o professor António Barreto que me recebe no seu escritório na Lapa, casa antiga recuperada, cheia de fotografias originais. Lá estava a foto do Steichen dos imigrantes a desembarcarem na América e outras pérolas. Ofereço-lhe dois livros meus pois sei da sua paixão pela fotografia. Espanto meu: já conhecia as fotografias, algumas pelo menos. Começo a fotografá-lo mas a verdade é que a conversa entre nós sobre fotografia é muito mais interessante do que eu estar para ali a massacrá-lo com poses. Fica encantado com a minha Epson RD1. Parece-lhe uma Leica e ele tem uma M6. Falamos de Lee Miler, de Margareth Bourke-White, de Cartier-Bresson, da eterna dúvida de quem se quer aventurar na fotografia digital.
Meto a 100 milímetros na Canon, disparo, foco perto, não gosto das expressões, não me sinto à vontade, apetece-me adiar a sessão. Decidimos ir até à rua. Sugiro o Chiado para o fotografar no meio de multidão. O professor mal cabe no Smart mas não esconde alguma surpresa e quando o seu telefona toca não exita em dizer que está a bordo de um Smart e que vai ser fotografado.
O Chiado está radioso. Há Sol, demasiado forte, intenso, passa povo, há gente que o reconhece logo, há uma senhora que já não larga, que a filha gosta muito dele, que o quer ver, que lhe quer falar... O professor já não se sente à vontade a posar para mim que entretanto fiquei no alto da escadaria que dá para o Metro a fotografá-lo.
Passa uma mulher esplendorosa, com uma mini-saia indescritível. António Barreto começa a subir a Rua Garrett e eu vou-o fotografando de longe. Precisava de uma 400 ou 600 mas não estava no programa nem nas minhas possibilidades físicas. A 100 serve muito bem e torna a sessão rápida e discreta.
Regresso ao jornal, sinto-me um desertor. Uma manhã sem estar a seguir a edição já me deixa estranho pese embora a total confiança em quem comigo trabalha. Descarrego as fotos no computador. Já vi melhor e já vi pior ( a frase é uma homenagem a um familiar).
Almoço na cantina. Mais uma tarde de trabalho. Reunião sacrossanta às 18 com a direcção e colegas editores. A edição fotográfica é working in progress. Há fotos para mudar, outras para reenquadrar. Há paginação para mudar. Ainda não temos duas ou três fotos impactantes.
Fim do dia. Marcar agenda para amanhã. Quem vai fotografar o quê. Gosto de escolher os fotógrafos em função das suas características para os trabalhos marcados. Por vezes gosto de marcar ao contrário para rodar gente e fazer experiências, como o fazem os treinadores da bola.
Depois do jantar ainda vou dar a minha primeira aula do semestre à UAL. Está tudo às moscas. Na recepção da faculdade está a dar o futebol no televisor. Não há alunos. O semestre começa bem!.. Os alunos acham que a primeira aula é para faltar, a segunda para empatar, a terceira para fazer de primeira, a quarta faltam, a quinta ainda não perceberam o que ali estão a fazer, a sexta cai nas férias da Páscoa, depois admiram-se de haver chumbos e notas penalizadas.
Com sorte a matéria é dada depois de Cristo ressuscitar. É a triste realidade do nosso ensino e de muitos, não todos, dos nossos alunos.
Por fim casa. O filho já dorme, o cão desata a ladrar, a mulher resistiu a mais um dia longo.
Abro o computador, consulto o mail, hoje tive um mail muito interessante do filho de um amigo que é fotógrafo e está longe, mas vai voltar. A paixão que a fotografia desperta na malta de vinte anos é impressionante.
E aqui estou no blogue, a postar e a ver as audiências e a pensar que este Instante fatal vai fazer um ano e que eu devia mudar qualquer coisa ou acabar de vez com ele.
Luiz Carvalho
Etiquetas:
António Barreto,
Basset Hound,
fotojornalismo
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Amigo Luis sou amante de fotografia e gostaria de saber qual a sua opinião da leica m8. Gosto muito da cobertura fotografica que fez na india foi toda feita com a leica???
ResponderEliminarabraços
Paulo:
ResponderEliminarVantagens da M8: é uma Leica mesmo, no peso,no toque, no disparar, no preço.
Desvantagens: cara, má acima dos 800 asa,balanço dos brancos automático pouco fiável, factor 1,3, medição da luz em automático imprevisível.
O "Instante Fatal" vai fazer já um ano? Parabéns!
ResponderEliminarUm ano em Abril de fatalidades, eheh!!
ResponderEliminarEsta é a vida de um fotojornalista com ordenado fixo, integrado numa redacção, e com muitos anos de carreira. E a de um free-lance a bater às portas, em início de carreira como será?
ResponderEliminarProfessor,
ResponderEliminarna iminente escolha binómica, mude mas não acabe. Afinal, nada é permanente como a mudança...
Um abraço fraterno deste seu leitor assíduo
Caro Luís,
ResponderEliminarAntes de mais os meus parabéns pelo seu blog. É, parece-me a mim, o seu local de desabafo em relação à sua profissão de fotojornalista e de professor, e devo-lhe dizer que me fascina todos os dias receber em RSS os seus posts, não só porque eu próprio também sou um aficionado pela fotografia como também prezo muito a franqueza com que trata os temas mais polémicos.
Escrevo-lhe para lhe dar uma palavra de apreço pelo seu trabalho, que já acompanho há algum tempo, mas também para o incentivar a continuar com este blog, pois tenho a certeza que, como eu, muitas pessoas gostam de aprender com alguém que veste todos os dias a pele de fotojornalista, e perceber o que o mesmo procura na execução de uma fotografia, contando uma história e não caindo numa banalidade.
Por isso, envio-lhe o meu mais sincero abraço e votos para que continue este seu trabalho, que continue mostra-nos a sua forma de olhar.
Atenciosamente,
Luís Graça
Luis Graça: muito obrigado pelas suas palavras de encorajamento.
ResponderEliminarÉ por estas e outras que vou continuar.
Obrigado
Luiz Carvalho
Pelo menos tem um basset hound e não um rafeiro chamado Paco.
ResponderEliminarParabéns pelo ano de vida, tendo pena que não tenha dado com o blogue mais cedo, já que sou um visitante recente.
ResponderEliminarAliás o Luis é o "culpado" do vício que eu apanhei com os blogues.
PS: Para o anónimo no comentário acima, sobre "Pelo menos tem um basset hound e não um rafeiro chamado Paco", meu caro anónimo, olhe que os "rafeiros" também são gente. Eu tenho dois, um com 3 anos e mais de 50 quilos de peso uma velhinha com 16 anos, e, acredite, que são mesmo gente boa.
Caro Luiz Carvalho,
ResponderEliminarcomo atento leitor do seu blog só posso dizer que não deve desanimar. As audiências têm destas coisas... só tem mesmo é de o divulgar.
Antes de aqui parar, não percebia nada de fotografia (em boa verdade, continuo sem perceber), e acho graça à forma com fala da sua profissão e trabalho no Expresso. Embora, valha a verdade, o seu blog do Expresso seja de outro nível. A posta sobre o Al Gore foi excelente, idem para a viagem à Índia.
Olhe... venham mais anos de instante fatal!
[não me consigo conter: é hesita, e não exita que se escreve... :-) ]
Ora viva,
ResponderEliminarSou também um leitor recente deste blogue. Já não me recordo como fui dar com ele e para não me esquecer do url, inseri-o nos links do meu.
De qualquer das formas, é com prazer que vou lendo as experiências do dia a dia de um fotografo "com ordenado fixo", como refere um leitor atrás! Uma condição em franca via de extinção, infelizmente...
Aproveito para lhe dar os parabéns pelo primeiro ano e continue pois o fotojornalismo português precisa de iniciativa!
Um abraço e cumprimentos