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sexta-feira, agosto 18, 2006

Marcelo Caetano, cem anos de solidão


Faz hoje cem anos que nasceu Marcelo Caetano.
No Público de hoje Vasco Pulido Valente (VPV) faz um artigo notável sobre o último homem da ditadura e revela uma coisa espantosa, a falta de fé de Marcelo, quer no catolicismo, quer em Deus, apesar de revelar uma posição muito liberal em relação à prática religiosa. Outro pormenor curioso é a correspondência romântica trocada em fim de vida com uma senhora portuguesa, onde ele revela uma alma inquieta e sensível.

Ana Maria Caetano, sua filha, deu uma entrevista a Judite de Sousa, passada há minutos na RTP1, onde também fez revelações que deixaram a ideia de que Marcelo era na vida privada um homem tolerante, com laivos de liberal, com preocupações obsessivas pelo sofrimento humano da guerra colonial, um moderado que queria a evolução do regime para uma democracia – apesar de confirmar o seu desprezo pelos partidos – e que viveu 5 anos de governo manietado pelos ultras direitistas.

Enfim: um homem só que sentiu a impotência de levar avante uma reforma do regime e que em 73 já pressentia a derrocada, só que não era homem para abandonar o barco quando a agua começava a entrar.
A filha falou ainda da capacidade de amar, a forma como ele suportou a doença da mulher e a paixão assumida por ela, traduzida até em poemas evocando pássaros e outras figuras poéticas.
Ainda falou de amigos de então, alguns delfins como Freitas do Amaral e Adriano Moreira, e de Marcelo Rebelo de Sousa com quem ela andou ao colo.
Foi uma bela entrevista, muito comovida, às vezes de lágrimas nos olhos, um raro momento de boa televisão.

A figura de Marcelo, vista agora à distância que a História de 32 anos permite, é na verdade um personagem que deixou muito por explicar. Claro que para mim alguma desta aureola restituída pela entrevista da filha e pelo artigo de VPV foi logo bastante, muito mesmo, ensombrada quando de seguida a RTP passou um documentário onde Marcelo aparece numa das Conversas em Família a falar da descolonização. Aí relembramos a sua obstinação política, a sua visão de um Mundo que já não era possível existir, a falta de sentido político prático e tolerante. Essa foi a imagem que tramou Marcelo e que fez daqueles anos derradeiros do antigo regime uma farsa impossível de continuar a existir numa Europa democrática e num relacionamento eficaz com uma América pós guerra do Vietname.

Marcelo se pensava em mudança nunca o fez e quando o fez foi tímido, fraco, pouco corajoso.

Dos fracos não reza a História e Marcelo não soube contornar politicamente os Kaulzas do regime, acabou por ser mais um professor do que um político, foi um homem que pôs a ética à frente da agilidade política.

Eu ainda era muito novo mas lembro-me que foi por aquela altura que se começou a falar em Portugal em evolução tecnológica.
Os tecnocratas que começavam a trabalhar para o Estado eram uma força técnica notável de competência.

Em 1973 eu era um jovem estagiário de 18 anos a trabalhar em arquitectura na Direcção Geral das Construções Escolares. Tinha entrado porque uma cunha do meu pai que lá trabalhava permitiu que eu trabalhasse enquanto tirava o curso de arquitectura.

Havia uma tolerância enorme nesse tempo. Havia muitos jovens a trabalharem nessa Direcção Geral, pioneira na introdução de computadores, tecnologias novas e projectos para escolas primárias inspirados na experiência sueca.
Era um tempo onde os melhores arquitectos e engenheiros do país trabalhavam nas obras públicas, acumulando com actividade profissional externa, contaminando os serviços com um espírito muito competitivo.

Depois do 25 de Abril essa Direcção modelo ficou modelo por outras razões: os comunistas do MFA tomaram conta daquilo, tornou-se na “ direcção-geral vermelha”.
Os directores que tinham empregue os putos do futuro foram por eles saneados ( eu nunca participei nessa linchagem) e aquilo tornou-se num serviço de parasitas e de gente faminta por poder.

A Primavera Marcelista a oportunidade perdida de Portugal.
Foi uma infelicidade colectiva não termos feito a transição pacífica para a democracia, tal como Espanha o fez pouco tempo depois.
Hoje ainda pagamos esse fardo, a aventura de uns tontassos que andaram anos a ganhar com a guerra e que descobriram que a melhor forma de subirem nas carreiras era fazerem uma revolução.
O mais incrível é que a fizeram, mesmo tendo respeitado os semáforos de Lisboa para avançarem com as chaimites!...

Deste ponto de vista compreende-se a desilusão de Marcelo.
É sempre revoltante aceitar o triunfo da barbárie contra a inteligência.
Só que muitas vezes inteligência a mais só atrapalha, e Marcelo tropeçou nas suas definitivas ideias.

1 comentário:

  1. Gran amistad entre los profesores Marcelo Caetano y Laureano López Rodó.

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