segunda-feira, maio 01, 2006
Portugal e o Costa
Ao rever hoje o Costa do Castelo na matinée da RTP1 fiquei mais uma vez surpreendido com a eficácia narrativa, a técnica escorreita e, sobretudo, o sentido de humor do argumento com António Silva a brilhar com o seu talento único.
Pergunto-me sempre se foi o filme que inspirou os portgueses, marcados pela fita ao longo de gerações, ou se se trata mesmo de uma comédia que conseguiu fazer um retrato antropológico e social do que era a Pátria nos tempos salazarentos e que, passado meio século, continua com aqueles tiques, aqueles personagens, uma cultura de vida entre o patético, o espertismo saloio, o paternalismo e o desenrrasca.
Claro, no fim é tudo boa gente, bons malandros, ricos bons, pobrezinhos trabalhadores, meninas dotadas e sérias, moralismo qb para sustentar uma sociedade atrasada, que precisa do voluntarismo e da boa vontade. É o “ temos de ser uns para os outros”.
Este filme se tivesse passado na tarde do 1º de Maio de 74 era uma provocação reacionária sem desculpa. Teria sido um escândalo nacional, quando o país sonhava com o socialismo, a sociedade sem classes, um amanhã que cantasse num pôr do Sol vermelho.
Pobres e ingénuos portugueses!…
Ao lermos as notícias de hoje vemos bem como esta sociedade mudou. E mudou para muito pior, relativamente às expectativas altíssimas que se tinham posto naquele dia em que as ruas transbordaram de gente que acreditava mais na revolução do que as crianças no Pai Natal.
Vejam:
Os trabalhadores de Leste podem trabalhar em Portugal sem visto.
Cavaco gostava de ver mais barquinhos à vela no Tejo.
Fez calor e logo um incêndio queimou largos hectares de serra.
Doze mortos na estrada devido às festas e feriados.
Um morto e vários feridos em Samora Correia por causa de uma estúpida largada de touros para entrar no Guiness.
A segurança social e o seu futuro debatida na RTP, todos agoirando um futuro negro.
E até as nossas ex-colónias, ou como lhe queiram chamar, estão em polvorosa: Em Macau manifestantes atiram-se à polícia por causa do trabalho de imigrantes e em Timor desatou tudo à pancada entre militares com feridos e estragos avultados nas ruas.
No meio desta bagunçada O Costa do Castelo é uma bolha de felicidade e ingenuidade. É o retrato de um Portugal a preto e branco, com personagens humanas, que podemos encontrar ainda hoje, sobretudo hoje, no Portugal feito por Cavaco, Guterres, Durão e Sócrates.
Sempre um país triste e patético, trágico e perdedor. Mas que consegue uma escapadela para sobreviver.
Um país que sobe a vida a pulso e que muitas vezes, demasiadas, se torna num novo rico insuportável.
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Embora antigo, o «Costa do Castelo» acabou por ser também para mim uma lufada de ar fresco no pós-almoço típico dos feriados. Enfiada no sofá, ( a «bezerrar», como costumo dizer ), deixei por alguns momentos que aquelas caras, que preencheram a minha infância, me fizessem esquecer o «drama da vida real» que vivemos actualmente.
ResponderEliminarNuma ligeira reflexão, concluí que o apogeu do nosso cinema se fez precisamente numa época em que os meios e as verbas eram poucas. Não nos poderá isso fazer pensar que também agora, na dita crise, poderemos dar a volta? Com poucos meios poderemos fazer o país andar pra frente?
Ingenuidade da idade ou não, o pessimismo não faz parte da minha maneira de estar na vida.
Se não se importa, deixo-lhe aqui o endereço de um blogger de noventa anos, que foi técnico em alguns dos filmes dessa época, e que no seu blog relata algumas das peripécias vividas.
ResponderEliminarhttp://blogdarochet-schneider.blogspot.com/