Ninguém comenta, nem critica: a construção da Fundação Champalimaud lado a lado com a Torre de Belém, em cima do Tejo, é um volume de construção aberrante. O projecto de arquitectura até poderá ser de qualidade, mas o que devia ser discutido era isto: é razoável construir à beira-rio infraestruturas que trazem um elevado índice de ocupação e que não vão servir para o usufruto dos cidadãos em geral? Deve a margem do rio ser ocupada por serviços terciários que estariam muito melhor em zonas de fácil acesso sem porem em causa a densidade de ocupação de uma zona que se quer nobre e livre de actividades institucionais?
A verdade é que este precedente foi aberto com a Agência Europeia no Cais do Sodré, prosseguiu com o hotel de Manuel Salgado e vai continuar com a Fundação Champalimaud e outras que virão. Um projecto global que tivesse como filosofia urbanística a mínima ocupação de solo para um máximo usufruto da margem do Tejo para actividades lúdicas e ecológicas já foi pelo cano.
Muito fala António Costa e a sua voluntariosa equipa de tipos que dizem detestar carros na cidade. Mas quando têm oportunidade de abrir a malha da cidade a espaços livres e funcionais, acabam a construir hóteis, escritórios e devem já estar a pensar em condomínios de luxo.
Por exemplo: cantam bicicletas e eu, que adoro andar de carro e que adoro andar de bicicleta, percebi que é impossível ir de Cascais a Lisboa de bicicleta em segurança e conforto. Pior: a Câmara de Lisboa está a reconstruir o pavimento entre o novo hotel de Belém e as docas e não está a por lá uma ciclopista. Há 300 metros de ciclopista entre o Café In e a parte debaixo da ponte. Depois acaba. Ora como tem lata esta gente de vir defender a bicicleta se nem pistas fazem? Ou porque insistem em atirar as bicicletas contra os carros, sendo possível a conciliação de todos os meios de transporte, salvaguardando a liberdade dos utentes?
Para cúmulo fala-se agora na destruição do Museu de Arte Popular, um edifício dos anos 30 construído para a Exposição do Mundo português, uma memória viva da nossa cultura. O que acaba sempre por acontecer é que quem nos desgoverna insiste no camartelo contra a memória, e no novo-riquismo contra a cultura. São umas bestiolas, mas a culpa é de uma geração de esquerdalhos que sempre acharam que a cultura devia ser construída incendiando o passado. Começou no dia em que um desses comunas gritou dentro da embaixada de Espanha: "Queimem o Vélasquez!! É cultura burguesa!"
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