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domingo, maio 10, 2009

A Curva do Mónaco

foto:Daniel Duque /Olhares
A Curva do Mónaco sempre despertou em mim encanto. Era a curva da morte, nos anos sessenta e setenta. Tem um nome charmoso: Mónaco. E a geometria da curva tem qualquer coisa entre perigo e aventura. Imagino por lá minis vermelhos e brancos a acelerarem a grande velocidade, quando havia sonho e romantismo nos automóveis dos anos sessenta. O Restaurante do Mónaco, ali a abraçar a curva, chique e caro na época em que a classe média alta da linha mostrava bom gosto, encanto e um mundo social entre sexo e dança.

Hoje a Curva do Mónaco lá está: mais segura, decadente, nostálgica e o seu restaurante a dar os últimos suspiros. Há por lá baile ao fim de semana, para velhotes solitários em busca de uma alma gémea para o Céu, pescadores furtivos, ciclistas lançados, e gente que por ali passa meia vagabunda.

Por detrás da Curva há chalés recentes, numa encosta que é das mais belas da Linha. Casas com vista sobre o rio e o mar que o abraça. Imagino varandas ao fim da tarde com música tropical, bebidas geladas e cheiros a mar. Há ainda atrás da Curva, casebres abandonados, à espera de um tempo bom para investir numa zona invejável.

Ontem peguei na minha bicicleta e, a conselho de amigos ciclistas, decidi explorar aquela paisagem permitida pelo caminho que arranca à saída da curva, passa pela estação da Cruz Quebrada e acaba na praia de Algés. Entre a linha do comboio e o Tejo, persiste uma vida de gente à margem, que sobrevive da pesca artesanal. Por ali comem peixe fresco, fazem churrascos, convivem entre barracas e carros velhos que conseguem mover-se. Parece uma paisagem de Antonioni, um deserto vermelho de solidão, paz e grande interioridade.

O comboio passa com frequência, rápido, vencendo uma outra curva, a da falésia de Gibralta que desabou há quarenta anos sobre um comboio, fazendo várias mortes. Ainda se vê por ali a arquitectura promovida por Duarte Pacheco, com escadarias que ligavam a Marginal ao rio, num tempo em que os carros pretos passeavam na estrada como se estivéssemos em Acapulco e a vida fosse um filme technicolor filmado à medida do sonho.

Naqueles 10 quilómetros há um mundo mágico, esquecido por autarcas e governos ávidos de rotundas e obras públicas. Um ambiente que tem qualquer coisa de sensual, proibido, santo.
Não aconselho ninguém a ir para lá. Quero aquilo só para mim.

3 comentários:

  1. estação do Dafundo? Não será antes a estação da Cruz Quebrada?

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  2. Aco que sim, vou emendar, obrigado

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  3. Parabéns pela crónica e pela foto.

    Também gosto muito desse troço da Marginal e o texto fez-me ter saudades do tempo em que vivia na Parede. Aliás, toda a Marginal é assim, com gente que vive à margem, entre o cheiro da água de cozer mexilhões, os limos na maré baixa e os esgotos da ribeira das Marianas ou do Jamor, etc..

    Também o percurso de comboio tem encanto. Quando me levantava cedo, a tempo de chegar antes das 7h30 a Lisboa, via nascer o Sol por trás do Cristo-Rei, ao passar na Cruz Quebrada. Quando vinha de carro, uns minutos mais tarde, via-o brincar às escondidas com o farolim do Forte de São Julião da Barra. E se me levantava durante a noite, abrindo a janela e escutando com atenção conseguia até ouvir o rebentar das ondas na praia, lá ao fundo.

    O comboio à noite estava quase vazio (há dez anos nem polícias tinha com regularidade) e sentia-se a pulsação do porto ao ritmo do "catchum-catchum-catchum" do comboio nos carris: os grandes cargueiros que saíam, alguns que aguardavam a chegada do piloto da barra ou de um rebocador, a lancha da polícia marítima que regressava suavemente e os pescadores da faina artesanal, omnipresentes, dando fé de tudo.

    Já sei que o Luís tem uma relação bipolar com Lisboa, mas penso que concordaremos os dois que uma das coisas boas que Lisboa tem é a Linha de Caiscais :-)

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