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quarta-feira, março 11, 2009

Alentejo desencantado

fotografia de Luiz Carvalho
Em 1991, com o meu colega António Costa Santos descemos ao Alentejo para relatarmos os dias da fome que se vivia por lá, para a revista do Expresso.
Eram os tempos áureos do cavaquismo. Encontrámos, no tal Alentejo profundo, um desalento total. Aldeias desertas, povoadas apenas nas esquinas por homens velhos sem destino, nem esperança. Gente que esperava com calma, pelo dia do juízo final.
Em Santo Aleixo da Restauração deixámos o carro escondido à entrada da aldeia, e fomos avançando como quem desbravava terra queimada. O país dos yuppies (aqueles rapazolas que mais tarde, até há meses, andaram a delapidar empresas e a jogarem as mais valias do trabalho em casinos) tinha ali o seu reverso, a vergonha: a fome, o abandono, o desprezo social.

Hoje no Alentejo lembrei-me desse dia. Como estava em trabalho, e não nos meus fins-de-semana de descanso, percebi melhor que a vida daquela gente nada mudou. O que mudou foi empurrado pelo natural crescimento da economia, embora muito pouco.

Gente sem futuro. Desempregados que o não são, porque foram postos a fazerem trabalhos nas juntas de freguesia ou nas câmaras (na verdade os grandes e únicos empregadores). Pobreza escondida. Fome, de novo a resignação, a mesma que aguentou o fascismo e explodiu com a festança da reforma agrária.

A senhora que encontrei hoje, 40 anos, com ar de 60, com um dente da frente, falando resignada da sua condição de desempregada, com filhos para sustentar e uma casa (muito digna)
para manter, podia ser o retrato desta pobreza do século XXI.

Uma realidade que Sócrates e seus apaniguados varrem para debaixo do tapete.

5 comentários:

  1. O pior é que isso não acontece só no Alentejo e cada vez se há de notar mais essa situação de fome. Será uns sem nada ou com muito pouco e outros riquissímos e a fazer dinheiro à custa da miséria alheia, um pouco o espelho da crise mundial. Por causa de meia dúvia de alarves gulosos, isto ficou tudo assim.

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  2. Tão bem observado Luís :)
    Entretanto descubro aqui o António Costa Santos, que conheço também, e de quem não sei nada há muito tempo. Lembranças a ele, se o encontrar por aí. E um mail para lhe escrever, que os que tenham devem estar desactualizados.

    Paula Sofia Luz

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  3. Já não vejo o António há muito tempo.

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  4. quase um ano depois deste teu post, aqui estou para te dizer que foi uma reportagem marcante, essa. ainda me lembro do carrito que conduziste até lá e de um almoço estranho em terras da fome. um grande abraço, Luiz. ACS

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