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terça-feira, janeiro 06, 2009

O retrato da crise

José Alberto Carvalho fechou o seu especial sobre a crise, há pouco na RTP, com o retrato emblemático da Dorothea Lange, feito durante a depressão americana de 1929 e que ficou como o símbolo desses tempos difíceis,só que o José Alberto não citou o nome da fotógrafa. Já lhe vou mandar um SMS a protestar, ainda por cima sendo ele um fervoroso amante da fotografia, da Leica e da Apple. Além do Carvalho temos estas, e outras, afinidades. Abraço José Alberto.

1 comentário:

  1. Na crise de 1929-32, os migrantes atravessavam a América à procura de sustento e essas peregrinações em busca de sustento ficaram imortalizados na pena de Steinbeck e na objectiva de Dorothea Lange, entre muitos outros.
    Também é curioso recordar que era comum estes fotógrafos percorrerem o país a expensas do Department of Agriculture (DoA).

    Apesar dos paralelismos, há diferenças importantes com a crise de 2007-??.

    Primeiro, creio que nem o DoA nem o nosso Ministério da Agricultura se dêem ao lirismo de pagar para gerar arte nem - muito mais importante! - os pobres têm tanta mobilidade para adaptar a oferta à procura. Numa reportagem recente no Público (se foi noutro jornal, peço desde já desculpa ao jornal prejudicado) falava-se da cidade de Wilmington no Ohio onde a DHL é o maior empregador (penso que na DHL trabalhavam cerca de 7500 de um total de 12000 trabalhadores da cidade). Só que a DHL decidiu fechar esse hub logístico e a cidade ficará, num ápice, toda desempregada (quem não trabalha para a DHL, trabalha para os que trabalham para a DHL). E um dos maiores problemas é que a mobilidade destes novos pobres - que incluem até pilotos de linha aérea! - se encontra condicionada pela posse da casa e pela dificuldade de obter "um justo valor" por ela se quiserem vendê-la para migrar para outro local onde a taxa de desemprego seja mais baixa. Assim, numa família com filhos, um dos cônjuges fica amarrado à casa enquanto o outro parte à procura de pão para a família. Ora procurar emprego numa cidade em que há muitas pessoas com as mesmas qualificações em busca do mesmo e nas cidades à volta o desemprego também cresce, é extraordinariamente difícil e, findos os apoios temporários ao desemprego, a situação deverá tornar-se crítica.

    A cidade de Wilmington foi também objecto de uma notícia na revista "The Economist" embora sem relevo fotográfico - é conhecido o pouco apreço que esta revista tem pelo foto-jornalismo - enquanto a notícia do Público tem boas fotografias.
    Porém, não chegam aos calcanhares desta. Há uns anos, num comentário no foto@pt, uma fotógrafa brasileira escreveu algo assim: "nunca tenhas medo de enquadrar cerrado ao fotografar, e depois, não hesites em cortar ainda mais um bocado no computador: os principiantes não conseguem decidir qual é a essência da fotografia e diluem-na com enquadramentos dispensáveis". Nunca mais esqueci esta lição.
    E é essa a força desta fotografia e por isso se destaca das demais, embora toda a série seja muito boa. Note-se que, apesar da popularidade dos bebés nas fotografias de tema social, o bebé passa despercebido na fotografia mais forte da série, enquanto nas outras a ênfase está na ligação mãe-bebé, em prejuízo das irmãs mais velhas. A Biblioteca do Congresso dos EUA disponibiliza toda a série no endereço http://www.loc.gov/rr/print/list/128_migm.html.

    E, finalmente, esta história tem um final feliz: a Mãe Migrante da foto chama-se Florence Thompson sobreviveu à Grande Depressão e morreu na década de oitenta rodeada de filhos e netos.

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