Ando numa espécie de volta a Portugal numa semana e se tivesse tempo tinha gostado de fazer um diário com impressões da viagem. Infelizmente chego cansado ao hotel, sempre encontrado de improviso e ao cair da noite, e acabo por estar demasiado ocupado a ver o trabalho feito durante o dia, depois já não tenho tempo para confissões.
Mas hoje, aqui no coração de Tomar (escapei à bomba que ontem por aqui explodiu num apartamento de uma brasileira..)numa noite de verão, gostava de escrever que Portugal mudou demasiado, principalmente a Norte. E que se encontram coisas admiráveis, como a recuperação da aldeia de Marialva, a preservação das gravuras do Côa graças ao empenho de Guterres e de Manuel Maria Carrilho (um facto!) e a uma equipa que no terreno ama aquilo que faz, ou algum desenvolvimento feito com a coragem de muitos privados, ou até os melhoramentos que as câmaras municipais têm feito com o nosso dinheiro, é certo, mas também com uma evidente vontade de melhorar, e muito, o conforto dos cidadãos locais- bem poucos a usufruírem de estruturas bestiais. O caso de Sernancelhe, uma vila deserta, com centro cultural, auditório, lar de idosos, estradas novas, ou o caso de Penedono com uma piscina maravilhosa, hoje de manhã completamente às moscas. Mas há crescimento e isso é bom para o país.
O que se nota com mais abandono é muita coisa que depende do governo central: estradas nacionais em ruínas, falta de verbas para o papel higiénico (no caso do centro paleolítico de Foz Côa, adivinho!) e principalmente uma total desarticulação com as necessidades locais.
O que mais me amargurou nesta minha viagem que passou pelo Douro Vinhateiro, foi constatar que uma zona que é Património da Humanidade, que tem um potencial turístico arrasador, que é uma pérola e que devia ser um ex-libris de Portugal, está degradada,com casas em ruínas, estradas por sinalizar, sem protecções das ribanceiras, sem indicações de locais de interesse, sem parques para estacionar e observar a paisagem, sem nada. Uma vergonha o estado do litoral do Rio Douro. Até os comboios, de que tanto se fala, têm estações nojentas(o caso de Peso da Régua) numa total anarquia. Régua e Pinhão foram transformadas em subúrbios, com construção horrenda dos anos 70 e muito do que depois foi feito.
Se o Douro fosse americano seria bem melhor do que o Big Sur, mas nós nunca sabemos promover o que é nosso e que é na verdade de grande excelência. Só que investimentos: zero. Fizemos excelentes auto-estradas mas quando chegamos aos destinos ainda deparamos com um Portugal decadente, velho, abandonado, ao lado de obras camarárias de mentalidade novo-rico.
O que mais me marcou hoje de mau: ter entrado na minha aldeia na Beira-Alta (perto de Foz Côa) e ter logo visto dois velhotes a trabalharem na terra, a puxarem uma carroça com burro. Conheço-os há 50 anos e eles continuam todos os dias a trabalharem a terra, como uma rotina, um destino, uma sina.
O que me marcou de bom: a aldeia recuperada de Marialva, a excelente A 28, Tomar.
Viva Portugal.
Fui pela primeira vez a Trás-os-Montes e vim de lá com a mesma sensação: Portugal é um país com um potencial extraordinário, cheio de recantos de cortar a respiração, repleto de paisagens de nos fazer cair o queixo, mas tudo mal amanhado. É um país sem nexo, sem propósito e sem brio.
ResponderEliminarDurante anos, este país esteve entregue aos caciques partidários: presidentes de câmara sem formação que confundiram desenvolvimento regional com construção de "infra-estruturas" (polidesportivo, auditório municipal e complexo de piscinas). Foram boas para os votos mas não resolveram o problema do Interior: a falta de emprego!!!
Nessa viagem tive oportunidade de ir a Miranda do Douro. É uma terra fantástica e ouso até dizer que a qualidade de vida ali é melhor que em Lisboa. Gasolina mais barata (espanhola claro). Zamora fica a 70 kilómetros. Madrid está a duas horas de carro. Têm campo com fartura! O custo de vida é mais baixo! Mas não há emprego porque este país refundou-se (ai cavaco) à custa dos subsídios da Comunidade Europeia premiando o empresário chico-esperto que abria e fechava negócios, e o trabalhador-calão que acumulava cursos de formação sem saber para que serviam!!!
Hoje temos um interior abandonado, sem futuro, apenas preso à perspectiva de construção de 10 barragens e nada mais....
É pena ...
Caro Luís,
ResponderEliminarcorroboro as impressões que lavrou no seu post (e que conheço bem porque tenho raízes familiares em Freixinho) mas chego às conclusões diferentes: em vez de exclamar de júbilo, interrogo-me:
1. Será justo e/ou democrático e/ou eficiente ter "uma vila deserta com centro cultural, auditório, lar de idosos, estradas novas" ?
2. Estarão os eleitores de todo o País conscientes destas políticas, realizadas em nome deles, e subscrevê-las-ão?
3. Será possível aplicar de melhor forma o quinhão da riqueza nacional que cabe a Sernancelhe (a título de exemplo)?
4. Será que os cidadãos podem fazer algo mais do que melhorar, conservar e explorar os seus prédios urbanos e rústicos de acordo com as directrizes municipais e nacionais?
5. Qual é o impacto das novas *acessibilidades* no saldo populacional dos municípios do interior (e em Sernancelhe)?
6. Quais são os critérios de equilíbrio entre interesses locais e nacionais no traçado de vias de comunicação (que atravessam a "sua" Sarzeda ao meio)?
7. Será que as passagens superiores são a portagem a pagar em cada aldeia pela eficiência de a atravessar em velocidade de cruzeiro?
8. Que impacto se espera em Sernancelhe do alargamento da ligação Viseu - Satão - Vila Nova de Paiva?
9. Qual a função de Lamego na organização territorial do vale do Távora (e do Douro Sul)?
10. Qual é o papel da Linha do Douro no futuro do Douro-Sul?
11. Fará sentido ressuscitar o projecto de caminho de ferro que liga a Linha da Beira Alta à Linha do Douro e a Viseu com derivação na Ponte do Abade?
12. Será que as medidas de "urbanização" das aldeias - tais como a pavimentação das ruas, a proibição de animais à solta na via pública a mudança dos currais para fora dos perímetros populacionais - respondem às necessidades dos residentes actuais, às necessidades dos visitantes actuais (incluindo turistas) ou às projecções das necessidades dos residentes e/ou visitantes futuros?
13. Qual o impacto na ecologia e na vida das populações da ligação dos sistemas de captação de água locais a um único sistema gerido pelas Águas de Trás-os-Montes e Alto Douro?
14. Mesmo admitindo que há ganhos globais nesta ligação, haverá prejuízos locais? Terão sido os cidadãos e eleitores consultados sobre o tema?
15. Que riqueza se criará na zona industrial de Ferreirim (a título de exemplo)?
16. Será que no Santuário da Lapa se urdiu uma coligação de interesses entre o Estado laico e a Igreja Católica na expectativa de um benefício mútuo? E, em caso afirmativo, é legítima essa coligação?
17. E, finalmente, a "1 million dollar question": como gerar lucro com bens e serviços transaccionáveis para fora da região, de modo a atrair riqueza que não provenha da fazenda pública e com valor acrescentado superior ao dos entrepostos de fruta semelhantes ao que existe à entrada de Penso?
Ao fim e ao cabo, chegamos aos problemas fundamentais da política:
- interesse nacional face a direitos das populações locais
- equidade nacional global face a assimetrias parciais (de região, rendimento, etc.)
- modalidades e qualidade da participação democrática das populações na discussão da res publica
- definição de critérios de mérito e avaliação de benefícios, custos e medidades de mitigação e subsequente acção política
- criação de riqueza sustentável
Enfim, talvez o António Barreto (que também tem raízes no Douro) possa ter algumas respostas. Aparentemente, ele tem pessimismo que chegue para o seu júbilo. Eu só tenho perguntas e cuidados... e votos de parabéns pelas suas fotos!
Concordo com o que o L.C.escreve.
ResponderEliminarEu desde há quatro anos que vou para uma região da França-Bretanha
e ali é um cuidado com tudo o que
tenha a vêr com o seu património que´é de admirar.Por isso ando por ali a bater umas chapas...L.R.