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quinta-feira, fevereiro 21, 2008

O outro lado dos dias

À minha frente uma jovem mãe, muito jovem, menor de idade, embala a filha de meses e comenta orgulhosa porque a menina sorri. A seu lado o namorado, um jovem de cabelos e barba longos está meio envergonhado. A mãe dele fala alto e diz que estão numa alhada. Sem dinheiro, um bebé nos braços que afinal é filha de um anterior namorado da namorada do filho, um homem mais velho. Isto passa-se no hall de uma instituição em Lisboa e eu estou ali como jornalista.
Horas mais tarde estou a entrar numa casa de um bairro de realojamento perto de Chelas onde um puto de 13 anos falta demasiado às aulas e o pai justifica à assistente social aquela vida de nada, culpando o Estado. O problema ali, entre muitos outros, é que o pai recusa uma casa nova de 4 assoalhadas porque fica longe. O longe é a distância entre Chelas e a zona do ex-Ralis. este pai tem um bom feitio desgraçado e um curriculum de vedeta. Já fez de tudo e um dia chateado deu um tiro no sobrinho e matou-o. Quando a vizinhança faz estrilho, pega na pistola e vai de tiros na varanda para o ar. Aceita com dificuldade que é de etnia cigana, pois detesta ciganos. É esperto, divertido, astuto. Luis Bunuel não criaria melhor personagem. Fiquei fascinado.

Acabo o dia a subir umas escadas às escuras e no alto encontrar uma mãe com 3 filhos a viverem num espaço mínimo. As crianças sorriem e o mais velho de 11 anos, que não consegue falar com o pai nem sequer sabendo bem o seu nome, tirou apenas uma negativa na escola. As crianças conseguem resistir e vencer no meio destas tragédias.

Há cenas que não se podem fotografar. Primeiro porque não se pode deontológicamente, segundo porque é violação da privacidade, terceiro porque há momentos em que a fotografia é inútil, não eterniza, não evoca, é uma falta de respeito. Nestas alturas apetecia-me imenso ser redactor.

Luiz Carvalho

6 comentários:

  1. ... e não é também!? Eis o interesse e uma das principais razões para visitar este blog, ser um blog de um fotógrafo que não se limita a ser fotógrafo. Um abraço e muito obrigado.

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  2. compreendo a fotografia é uma brincadeirA QUando as coisas se tornam demasiado sérias e privadas. Mas admiro-me como o LC profissional há tantos anos aindnão sabe ladear a questão.Dantes era com a Polaroid
    hj com uma digital presque amadora pequena( digilux grande angulo sei lá c 8 mp não dá um ficheiro bom?) mas aquela sede de provar que são profissionais é mais forte neles .....

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  3. Não perecebo o comentário atrás. Pode explicar melhor ? LC

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  4. miséria dessa sempre houve e muito pior até nesses mesmos sitio , não percebo a admiração!

    A politiquice hoje manda dar atenção aos pobres,eu percebo!Senão o povo , raivoso, atira-se aos politicos!
    Quando há dinheiro em barda são esquecidos, mas quando já não há são muito lembrados!
    Vejam lá se o governo que pagou ao Berardo aqueles milhões todos pela sua colecção em mais um ruinoso negócio para o estado se lembrou dessas familias das chelas!
    Ou o mesmo , no negócio do Casino ou outros!
    Por mim quero qqsf a todos.

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  5. comentário sobre a impossibilidade de fotografar determinadas situações tão privadas:
    sugiro eu no meu post que talvez com uma camera menos intrusa talvez uma mais pequena mais tipo brinquedo mas c tudo no sitio fosse possível fazê-lo discretamente:só num caso a situação se torma insustentável, é quando o fotógrafo perde o sangue frio e comunga com a desgraça alheia. Mas aí realmente escrever é melhor do que bonecar e o profissional tem todo o meu respeito ! Terá sido isto que aconteceu ao LC?

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  6. amigo comum chamou-me a atenção para este post teu. Pra lá das pequenas vaidades do Mundo esse amigo comum tinha razão, há pessoas que se revelam no seu MELHOR quando menos se espera.Parabéns pelo belissimo texto que enobrece fotógrafos e ex-fotógrafos. Um abraço felicidades para a prole.João Bafo

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