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quinta-feira, setembro 06, 2007

Quem matou o (foto)jornalismo ?


Jane Atwood ( foto Luiz Carvalho) hoje em Perpignan e uma das suas fotos de prostitutas em Paris

Jane Evelyn Atwood, prémio Eugene Smith, no meio de um debate onde os homens imperavam e os franceses de "gauche" dominavam, foi a presença mais eloquente e afirmativa do colóquio de hoje no Palácio dos Congressos, aqui em Perpignan.
Estava em cima da mesa a discussão sobre se o fotojornalismo chegara ao fim ou se tinha desabado às costas do jornalismo. A predica com mais de duas horas foi polémica, mas afinal percebeu-se que nem o jornalismo sucumbiu nem a fotografia de imprensa faliu.
O debate trouxe duas evidências: uma, é que o facto de o exercício da fotografia se ter banalizado com o digital qualquer careta é fotógrafo e toda a gente nas redacções, e fora delas, se acha competente para decidir do destino das fotografias, de as escolher e manipular, como se se tratasse de material moldável. A outra evidência é a atitude do fotógrafo, da sua opção pela verdade e seriedade e da sua competência ao ser fotojornalista.

É impossível conciliar a validade do bom fotojornalismo com a pressa em despachar trabalho, com as contas de merceeiro de muitas administrações, com o modismo estético, com a falta de necessidade de quem se intitula fotojornalista em dizer o que quer que seja aos leitores, em dar uma visão pessoal do Mundo.

Jane começou a sua carreira há 30 anos e foi Leonard Freed quem mais a apoiou; ela diz dever o que é aos seus ensinamentos. A primeira reportagem que Jane fez foi sobre as prostitutas de Paris e não o fez para denunciar ou criticar, foi pela curiosidade de ver e entender como aquelas mulheres viviam e davam o corpo. Recusa a militância jornalística e considera que nunca uma fotografia mudou o que quer que fosse na sociedade. Dá o exemplo, como excepção, de uma fotografia sua feita numa prisão dos Estados Unidos que poderá ter influenciado uma nova lei no Estado do Ilhinois.
As fotografias quando são verdadeiramente boas permanecem no tempo e conseguem ultrapassar as circunstâncias. Para Jane, os retratos que a imprensa usa e abusa não acrescentam nada e são uma forma de decorar páginas e nada contarem sobre a sociedade. São fotos que desmotivam os leitores e tiram veracidade narrativa às histórias.

Outro dos intervenientes, o filósofo Michaux disse que," vivemos um tempo em que a imprensa prefere ilustrar a mostrar". Para ele há uma banalização dos retratos e das imagens de arquivo em detrimento das fotos de reportagem, da imagem informativa. Os jornais preferem fazer bonito, elegante e evitar a realidade.
Há uma demagogia galopante das imagens, das fotografias. Fazer rápido e vender rápido não permite ir até ao fundo dos temas. Prefere-se sempre mostrar imagens mesmo que nada digam.

Jane publica esta semana no Paris-Match uma longa reportagem sobre o Haiti, cujas fotos estão nas paredes de Perpignan, vai mais longe e afirma que " cada fotógrafo tem uma visão própria e não deve seguir aquilo que os outros fazem ou acham que é moda fazer".

Quando lhe perguntei o que achava de os fotojornalistas hoje terem à sua disposição novas ferramentas digitais que lhes permitem usar o vídeo e a web, ela mostrou-se irritada e disparou contra mim:" fotografar é um acto demasiado sério para se misturar com outras coisas. Quando estou a fotografar, estou sozinha, telemóvel desligado e nem vejo os meus mails. Se um editor exigir que eu trabalhe em digital fá-lo-ei mas só o fiz uma vez e detestei. Até o visor electrónico atrás da câmara me perturbava. Desliguei-o.
Conseguir-se uma boa foto é muito duro, não é compatível com pressa, desconcentração.Um dos problemas do fotojornalismo de hoje é que toda a gente faz tudo e não acrescenta nada".
O fotojornalismo não está morto. A prova está neste festival que este ano recebeu recebeu mais de 30 mil fotos para selecção e envolveu 4 mil fotógrafos candidatos a serem aqui mostrados. Claro, o digital trouxe mais fotógrafos, mais entulho, mas também novos talentos.
O problema é o de sempre: encontrar fotógrafos com personalidade, sensibilidade e entrega total. Num Mundo cheio de imagens o desafio é cada um encontrar o seu caminho e com isso surpreender editores e, por conseguinte, leitores que possam reparar e memorizar as imagens entre milhares.
Jane deixou a sua lição:" Quando a LIFE recusou publicar o meu ensaio fotográfico sobre os cegos fiquei muito desanimada. Era jovem e aquela recusa abateu-me. Mas eu sabia que tinha fotografado na direcção certa. Anos mais tarde foi o editor Robert Delpire que reparou no trabalho, publicou-o em livro e ganhei um dos prémios mais honrosos do jornalismo. Valeu a pena ter sido persistente e não ter mudado o meu rumo".

Também em www.expresso.pt ( Luiz Carvalho enviado do Expresso a Perpignan)

2 comentários:

  1. Se o fotojornalismo vai sobreviver ou não depende das suas formas de financiamento. A evolução na forma como os jornais e revistas escolhiam o que iam publicar ou não foi mudando ao longo do tempo e foi sempre guiada pela publicidade que podia ser captada ou perdida. Continua a ser assim, se ninguém comprar a reportagem a JA Atwood como é que ela financia as seguintes e paga as contas ? (nem todas as reportagem dão livros, cujos contratos podem nem ser financeiramente compensatórios).
    Os tempos gloriosos dos anos 60 e 70 em que a fotografia de reportagem tinha um lugar previligiado já acabram há muito, e os fotógrafos têm de se adaptar, mas as publicações também não podem evitar os assuntos mais perturbadores visualmente. Isso leva-nos a falar acerca da responsabilidade de escolha das fotografias a publicar. Independentemente de "qualquer careta ser fotógrafo", a responsabilidade do editor de fotografia de uma publicação é saber escolher quais as fotografias e publicar (mandando passear os "pseudo- fotógrafos") e também evitar que os designers cortem as imagens com o pretexto que tiveram de aumentar a caixa de texto. Agora também não é qualquer bicho careta que tem compretência para o fazer, e se calhar muitas más escolhas são feitas assim (isto não é boca para si, é um reparo genérico).
    Enquanto a maioria da imprensa preferir apenas mostrar o lado mais enganadoramente "glamoroso" da nossa época, porque isso faz as pessoas comprar o jornal e atrai a publicidade bem paga, o fotojornalismo vai continuar a passar tempos agrestes.

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  2. "O fotojornalismo não está morto. A prova está neste festival que este ano recebeu recebeu mais de 30 mil fotos para selecção e envolveu 4 mil fotógrafos candidatos a serem aqui mostrados. Claro, o digital trouxe mais fotógrafos, mais entulho, mas também novos talentos.
    O problema é o de sempre: encontrar fotógrafos com personalidade, sensibilidade e entrega total."

    Mas o problema é que aparecem nos festivais muitas reportagens que nunca foram publicadas, ou estarei enganado?
    E se assim for, temos de pensar em andar a fotografar para os festivais. O facto de haver muita oferta nos festivais só quer dizer que o fotojornalismo pode estar a passar ao lado... dos jornais e restantes publicações.
    Porque para esses, a "ilustração" pode passar por um qualquer boneco que "aconchege" a noticia.
    Se o fotojornalismo está moribundo podem-se apontar responsabilidades aos editores e público em geral que mesmo assim compra as coisas.

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