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segunda-feira, fevereiro 12, 2007

CRÓNICA FOTOGRÁFICA

Os meus 21 segundos com Al Gore

Estava tudo combinado: uma sessão fotográfica em exclusivo para o Expresso durante a passagem rápida de Al Gore por Lisboa a 8 de Fevereiro. A ideia era termos fotografias em exclusivo para ilustrarem a entrevista que o ex- Vice dos Estados Unidos nos tinha dado.

Cheguei cedo ao Hotel Pestana Palace, em Lisboa. Era o único fotógrafo.

Esperei numa sala pelo fim do pequeno - almoço com personalidades portuguesas,

um pouco nervoso como sempre. Nunca sabemos se será uma sessão boa para fotos. À partida está tudo contra: o local, a luz e, sobretudo, o tempo que vai ser curto.


Fico por ali atento com a máquina meio escondida. De repente vejo Al Gore a entrar para a sala. Levanto a máquina e disparo rápido. Estou com uma tele de 100, com uma abertura de 2 e a sensibilidade a 1600 asa.

Consigo fazer uma foto que não estava prevista. Um ponto ganho.

No final do encontro com os convidados, Al Gore avança pelo corredor, acompanhado de um assessor com quem tinha combinado previamente o local exacto para a fotografia.

Cumprimenta-me, eu indico o sítio para os retratos. Primeiras fotos com ele a olhar para mim, peço-lhe um ar descontraído, ele tenta, disparo de rajada, depois improviso e lembro-me de lhe sugerir a janela, ele aceita, a máquina continua a disparar a 6 fotos por segundo, ainda mais uma pose a olhar de frente para mim, compenso o contra-luz, e…acabou. Ainda corro para a porta para o fotografar a sair mas o assessor diz que já chega.

No jornal vejo no photoshop, no file info: entre a foto L8V5078 e a L8V5129

(numeração da câmera) passaram 21 segundos.

Eu desconfio sempre das sessões especiais combinadas por terceiros.

Há uns bons anos fui a Madrid para fotografar em exclusivo Warren Beatty, onde ia acabando esmagado por dezenas de fotógrafos e paparazzis desvairados.


Já me prometeram um exclusivo com Eros Ramazzotti no Estádio do Milão e depois estava lá uma televisão que monopolizou o tempo e só tive uns minutos para fazer umas fotos idiotas. Ia acabando a vir-me ambora sem lhe fazer uma foto e com uma discussão tremenda com um assessor idiota.


Tive um encontro com a Lauren Bacall ( é verdade, mas já não era a preto e branco e já tinha a encantadora idade de setentas) e deu-me dois minutos e 3 metros de distância, sem teleobjectiva, nem grande angular, para uns retratos de perfil, quase sem olhar.

Mas nem tudo são limitações e com a entrevista ao Salman Rushdie, feita tabém em Madrid na altura em que ele andava fugido aos fanáticos, pude fotografá-lo mais de uma hora sem segurança nem limitações.

Em Portugal até temos algumas facilidades, embora os fotógrafos adorem fazer fazer o papel de chorinhas.

As individualidades nacionais ainda são bastante acessíveis e acabamos por ter condições que no estrangeiro são impensáveis.

Margaret Bourke-White, a célebre fotojornalista de LIFE, teve 1 minuto para fotografar o Gandhi , no dia 30 de Janeiro de 1948. Chegou, montou o tripé para a máquina de chapas de vidro, que só fazia uma foto de cada vez, e com um flash de lâmpada.
Ele insistiu em ser fotografado a fiar e sem flash. Mas aquela máquina só trabalhava a explosão. Convence-o a usar o flash. Ela dispara a primeira foto, o flash falha.

Pede-lhe uma segunda oportunidade e só à terceira tentativa é que conseguiu a foto que acabou por aparecer na LIFE como um grande exclusivo. Uma foto apenas.


Margareth tinha acabado de fazer a penúltima foto a Gandhi em vida. A última foi de Henri Cartier- Bresson que entrou na sala a seguir a ela ( Também não era um exclusivo!).

Passados minutos, depois dos fotógrafos dispararem e saírem, outros disparos assasinaram a grande alma da Índia.


Nós fotógrafos temos esta relação estranha com o tempo e com aquilo que o permite eternizar.


Luiz Carvalho

6 comentários:

  1. O "rusdy" não será erro?

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  2. Pois é Luiz... Até chego a ter inveja... Por aqui até o cidadão mais anónimo não dispensa muito tempo aos fotógrafos. Afinal, na maioria das opiniões dos meus fotogrados, fotografias qualquer um faz e com o digital até parece que é tudo mais rápido, mais barato e mais fácil! E quem é que desfaz os equívocos a essa gente????
    Beijitos e coragem. Afinal o Al Gore não é um cidadão qualquer!
    Paris 12/02/07,
    Susana

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  3. São sempre ingratos estes serviços com figuras de topo. Na área do desporto, onde trabalho, é algo muito comum - entrevistas de 4 e 6 páginas com vedetas sem tempo e sem vontade de serem fotografadas.
    A cumplicidade com a câmera é incompativél com tão pouco tempo disponível. Há que preparar o trabalho , antecipar enquadramentos,pensar depressa, gerir egos e claro, ter alguma sorte. Para o bem e para o mal, é sempre o nosso nome que vem junto à foto.

    Dentro doutra temática, aproveito para sugerir algo que descobri agora mesmo:
    http://sionphoto.blogs.com/sionphoto/2007/02/the_frame_of_th.html

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  4. No meu caso, é mais a TV, que fotografia guardo-a para outras coisas e prazeres.
    Mas são histórias ou estórias como estas que nos vão dando o gozo de continuar no ofício!

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  5. E ao menos consegui alguma foto que gostasse ?

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  6. Quando a Mariah Carey veio ao Brasil em 2002, se não me falha a memória, ela condicionou a cinco minutos de fotos por veículo e a todos fazerem as chapas com cãmeras digitais para que ela pudesse avaliar o resultado na hora. Ah, e as fotos tinham que ser núm quarto escolhido pela produção no hotel em que ela se hospedou.

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