Dura dois minutos e trinta quatro segundos e resume a condição humana, o destino de uma vida. Falo do vídeo da morte de Saddam, o não oficial, aquele que foi feito com uma câmera de telemóvel
Trata-se de um plano sequência, sem cortes nem montagens, de uma brutalidade total. Primeiro vemos umas imagens entornadas de uma escada metálica, depois há uma panorâmica vertical tímida como a procurar o protagonista, finalmente lá está o homem a caminho do cadafalso, também a cambalear como o primeiro movimento da cãmera.
Depois há um zoom nervoso, aí temos a vitima já com a corda a ser-lhe colocada e uma mão, a mão da morte, de um dos carrascos embuçados, apontando o momento final. Ouvem-se insultos. Alguém pede respeito pela solenidade do acto.
É tudo rápido, friamente decidido, como se tivesse sido uma cena encenada até à exaustão.
Nada falha. Nem a corda, nem a postura do velho ditador, nem os acólitos daquela festança mórbida, vingativa, bárbara.
O meu filho de 5 anos ainda olha desconfiado para a cena que lhe apareceu entre um zapping que o levava a procurar o Canal Panda ou o Circo da SIC. Não comentou, não terá percebido, mas o seu olhar revelou uma estranha sensação. Na verdade este Mundo, mesmo o virtual, não é só feito por criaturas cândidas como o Noddy, e os malvados estão muito longe de serem os Mafarricos.
Infelizmente terá assimilado esta imagem, porventura a sua primeira imagem do horror verdadeiro, da crueldade humana.
Esta encenação medíocre, concebida por um realizador falhado chamado George Bush, estava a chegar ao fim quando a cãmera de imagem granulosa, e daí mais impressionista, mais autêntica, mais emotiva, ainda fez uma última panorâmica até à mancha que dava a adivinhar um rosto vencido, morto, reduzido agora à sua condição de cadáver transportável como troféu até a um santuário para outros fanáticos venerarem.
O fim dos ditadores costuma acabar mal.
Lembro-me daquela imagem sem perdão de Ceauscescu e Helena, caídos no chão, depois de mortos no calor da revolução romena.
Mas ali havia uma espontaneidade que não houve na farsa que foi o julgamento de Saddam. Na frieza e no cinismo de uma Europa que ainda condenou a justiça da forca mas nada fez para evitar mais um erro estúpido de Bush, que nos devolve a brutalidade da barbárie e nos coloca, a nós que acreditamos nos valores e na democracia, num espelho onde nos revemos baços, distorcidos, irreconhecíveis.
Este filme é uma obra-prima. Para quem duvida que a forma é conteúdo não pode aqui ser mais desmentido.
Posto no You Tube, onde já teve milhares de visitas, começa a incomodar a América.
Também em: Expresso online
A única diferença este este assassino e nós mesmos, que ficámos e ficamos impávidos e quase seremos perante, não só o julgamento e a condenação mas, e principalmente, perante a execução, é que Saddan terá sido julgado e nós não.
ResponderEliminarAinda!
Sinceramente, não percebo este fascínio colecionador por vídeos indecentes, para não dizer pornográficos, da indecente execussão dum ditador infame,que teve ainda, e apesar de tudo, alguma dignidade para morrer!
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