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sábado, dezembro 09, 2006

Mafia vigiava investigadores do Apito Dourado


Os vários magistrados do processo ‘Apito Dourado’ foram submetidos durante meses a fio, em 2004 e 2005, à vigilância de detectives privados, visando a sua vida privada e familiar, incluindo a orientação sexual. Carlos Teixeira, procurador titular do ‘Apito Dourado’, foi o mais visado, chegando a ser perseguido durante a noite à saída do Tribunal de Gondomar. As vigilâncias incluíram dirigentes e inspectores da PJ, além de funcionários judiciais, para tentar condicionar e obstruir a acção dos profissionais da Justiça.


As vigilâncias ilegais serviriam para fazer chantagem a juízes e a magistrados do Ministério Público, tentando perturbar as investigações criminais à corrupção na arbitragem do futebol, mas os objectivos frustraram-se, apenas tendo sido afastado o então subdirector da PJ do Porto, Reis Martins, porque tinha um processo disciplinar em curso, na ocasião em que dirigia a investigação do ‘Apito Dourado’.

Segundo apurou o Correio da Manhã junto de várias fontes ligadas ao processo, as vigilâncias e as perseguições tiveram a participação de elementos ligados à DINFO (antiga Secreta militar) e de um antigo inspector-chefe da Polícia Judiciária, que possui uma empresa de segurança e detectives privados, que tem entrada condicionada na Directoria da PJ do Porto.

O escândalo só não foi mais longe porque os magistrados e os investigadores da Polícia Judiciária nunca se intimidaram, já que não tinham telhados de vidro. Apenas Reis Martins se debatia com uma investigação, por alegadamente ter ajudado a agredir os assaltantes do filho, com apoio de elementos do corpo de segurança da PJ e agindo à revelia do piquete. Teve de pedir a aposentação, não só para escapar ao procedimento disciplinar como para evitar a publicação de notícias do caso quando supervisionava as investigações criminais ao ex-presidente da CM do Marco, Avelino Ferreira Torres.

As perseguições só acabaram quando Pinto Nogueira, que era coordenador do ‘Apito Dourado’, sendo agora o procurador distrital da República no Porto, denunciou então tal situação numa entrevista ao ‘DN’, mas as vigilâncias terão continuado.

ESPIAR É CRIME QUE DÁ PRISÃO

Espiar a vida de um cidadão é um crime previsto e punido com pena de prisão até um ano ou com multa até 240 dias, tratando-se de devassa da vida privada.

De acordo com o artigo 192.º do Código Penal, quem sem consentimento e com intenção, devassar a vida privada das pessoas, designadamente a intimidade da vida familiar ou sexual, está sujeito a prisão até um ano ou multa até 240 dias.

A devassa tipificada pelo Código Penal contempla interceptar, gravar, registar, utilizar, transmitir ou divulgar conversa ou comunicação telefónica, ou então captar, fotografar, filmar, registar ou divulgar imagem das pessoas ou de objectos ou espaços íntimos, assim como observar ou escutar às ocultas pessoas que se encontrem em lugar privado. É ainda punido divulgar factos relativos à vida privada ou doença grave de outra pessoa.

A Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 26.º, n.º 2, determina que “a lei estabelecerá garantias efectivas contra a utilização abusiva ou contrária à dignidade humana de informações relativas às pessoas e famílias”, no âmbito dos direitos, liberdades e garantias.

O CASO DO DIVÓRCIO DE CARLOS TEIXEIRA

Carlos Teixeira, procurador adjunto do Ministério Público de Gondomar responsável pelas investigações do ‘Apito Dourado’, foi o mais visado, porque não se limitaram a vigiá-lo mas ainda a persegui-lo a alta velocidade quando saía do Tribunal de Gondomar.

O caso do divórcio de Carlos Teixeira, saídas do magistrado e colegas, para jantar, onde iam comer, o que comiam e quanto pagavam, ou se as refeições eram oferecidas, tudo era alvo do interesse dos detectives.

UMA AMIGA DA JUÍZA 'RIVAL' DO GONDOMAR

Uma das atoardas que tentaram montar contra Ana Cláudia Nogueira – a primeira juíza de instrução criminal do ‘Apito Dourado’ – era que era muito amiga de uma nora de José Oliveira, presidente do Dragões Sandinenses, o rival do Gondomar SC, preterido na subida à Honra em 2003/04. Tentaram desacreditar a imagem da jovem magistrada que nunca hesitou a autorizar investigações criminais a alguns dos mais poderosos do futebol português.

Também a vida pessoal da juíza foi passada a pente fino pelos detectives, ao ponto de saberem que queria construir uma vivenda na sua terra natal, cidade de Espinho.

RESPONSÁVEIS DA PJ TAMBÉM FORAM VIGIADOS

Reis Martins foi o único responsável da PJ do Porto que saiu, porque tinha algo que o comprometia, o caso da agressão aos assaltantes do filho, apesar de nessa ocasião ainda não ter sido repreendido por escrito por fazer justiça pelas próprias mãos. Mas o próprio director da PJ do Porto, juiz Ataíde das Neves, entretanto promovido a desembargador, colocado na Relação de Coimbra, também foi vigiado. As idas ao golfe e as saídas à noite foram ainda objecto de vigilâncias ilegais.

A coordenadora de investigação criminal, Edite Dias, responsável da 1.ª Secção Regional de Investigação de Corrupção e Criminalidade Económica e Financeira da PJ do Porto, também viu a sua vida privada vasculhada, assim como o chefe da 1.ª brigada, António Gomes.

FUGAS DE INFORMAÇÃO IRRITAM JUÍZES

As constantes fugas de informação no ‘Apito Dourado’ têm irritado todos os magistrados que trabalham neste processo, chegando a promover reuniões com funcionários judiciais, o que nunca resultou, pois as fugas não partiram do tribunal.

No entanto, é certo e sabido que têm partido dos arguidos as revelações em segredo de justiça, até por só depois de serem notificados os arguidos é que as fugas de informação surgem cirurgicamente. O Ministério Público de Gondomar tem todas as provas nesse sentido.

E os que mais se queixam da violação de segredo de justiça são aqueles que mais depressa dão para a Imprensa muitas fotocópias de peças processuais do ‘Apito Dourado’, para denegrirem outros arguidos ou para tentar que outros dirigentes de clubes sejam também eles arguidos, partindo dos dirigentes do Norte as tentativa para envolver dirigentes de clubes do Sul. E as fugas de informação são no caso ‘Apito Dourado’ uma das armas privilegiadas para se desacreditar o processo e até os próprios responsáveis, com a divulgação de escutas telefónicas da Polícia Judiciária, a fim de serem envolvidos Luís Filipe Vieira e José Eduardo Bettencourt, por nunca terem sido chamados ao processo do ‘Apito Dourado’.

A PJ terá agora como testemunha Carolina Salgado, depois da publicação do seu livro.

AS FASES SEGUINTES

INSTRUÇÃO DO PROCESSO

Na próxima terça-feira começa a instrução com inquirição de testemunhas indicadas pelos arguidos, mas sempre à porta fechada, por pedido de alguns arguidos.

DEBATE INSTRUTÓRIO

Na presença dos arguidos, advogados e Ministério Público esgrimem argumentos perante o juiz de instrução criminal.

DECISÃO INSTRUTÓRIA

Juiz decide se mantém inalterada a acusação do Ministério Público ou altera parte do libelo acusatório, reti-rando um ou outro aspecto da acusação, passando o processo à fase pública.

MARCAÇÃO DO JULGAMENTO

Tribunal de Gondomar marca julgamento, com tribunal colectivo (três juízes), no qual nunca poderá participar o seu juiz de instrução criminal.

UM PROCESSO COM MUITA GENTE GRANDE

Pinto da Costa, na qualidade de presidente do FC Porto, Pinto de Sousa (antigo presidente do Conselho de arbitragem), José Luís Oliveira (vice-presidente da Câmara de Gondomar e ex-presidente da comissão administrativa do Gondomar Sport Clube) e Valentim Loureiro (antigo presidente da Liga e actual presidente da mesa da assembleia geral daquele organismo) são os rostos mais mediáticos de um processo que tem 27 arguidos, entre os quais 12 árbitros ou ex-árbitros e ainda dirigentes ligados a estruturas do futebol.
Joaquim Gomes, Porto

Correio da Manhã

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