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terça-feira, novembro 14, 2006

O contra-campo de Annie Leibowitz



Fotógrafa de celebridades da Vanity Fair, depois de ter atravessado os anos 60 na Rolling Stone, Annie Leibwitz acaba de editar um livro e inaugurar uma exposição “ Photographer`s Life”. Uma catarse visual sobre os seus 15 anos mais felizes e etéreos.




Quando um fotógrafo de famosos, vira a câmera para si próprio pode resultar um espelho de vida um, “Photografher`s Life” como o fez. Annie Leibowitz, 56 anos, a célebre fotógrafa de Vanity Fair.
Annie foi a autora da mais escandalosa e polémica foto de capa americana onde aparecia Demi Moore grávida e nua, mas também da pose de John Lennon despido abraçado a Yoko Ono ( horas antes de ser assassinado), ou da galeria de notáveis da política e do show- biz americano.
Este “ Photograpers`Life” que acaba de ser editado em livro e mostrado numa exposição no Museu de Brooklyn , mais tarde em Londres e outras capitais, é uma crónica fotográfica intima sobre os seus últimos 15 anos de vida, que coincidem no tempo com a ligação amorosa a Susan Sontag, a escritora e ensaísta desaparecida há um ano vitima de cancro.
É uma edição confessional, um desvendar de imagens privadas que se cruzam com outras públicas, como se aquelas imagens a preto e branco na maioria feitas sem a sofisticação das fotografias luminosas e produzidas a que habituou os seus fiéis seguidores, se transformassem numa narrativa terna e saudosa, dolorosa e deprimente. Uma catarse “chic” como muito bem lhe chamou o El Mundo.
Este trabalho que é um ensaio fotográfico sobre o tempo, a solidão e a felicidade a termo, passa a cumplicidade com Sontag (autora de “On Photography” um dos mais profundos ensaios sobre a essência da fotografia) descrita em fotografias que muitas vezes desafiam os limites da ética e tornam pertinente a pergunta sobre a legitimidade de um autor expor a sua vida quando nela entram em cena outros personagens.
Leibowitz começou a fotografar na Rolling Stone ainda nos anos sessenta.
A sua irreverência levou-a a propor à chefe uma reportagem de 3 anos com os Rolling Stone na tournée mundial , no inicio dos anos setenta. A chefe não lhe garantiu o emprego no regresso. As fotos eram tão fortes que a Rolling Stone recebeu-a como filha pródiga. As fotografias de Leibowitz passaram a ser um dos ícones mais emblemáticos da revista.
Ficou amiga de Mich Jaeger e intima do grupo que mais marcou a pop, mas as suas fotos a preto e branco, granulosas no estilo de reportagem pura e dura acabaram por se impor e criar um estilo.
Durante alguns anos entrou em profunda depressão causada pelas drogas. “ Cheguei ao fundo do túnel”- disse a fotógrafa num documentário sobre si, mas na década de oitenta voltou à fotografia. Foi em Vanity Fair que encontrou o público que admirava nos anos sessenta na Stone os seus retratos. Agora mais velho, conservador e burguês este público maravilhava-se com as suas novas fotografias também mais burguesas, produzidas e preparadas.
Os retratos de Leibowitz na Vanity são a cores, em grande formato, com uma equipa de produção por trás que chega a envolver três dezenas de pessoas, um camião gerador, várias câmaras fotográficas, e um cenário que pode contar com 3 hotéis alugados ao mesmo tempo. Foi o que sucedeu na produção do retrato de Demi Moore posando nua, mas pintada, com o seu filho, depois da capa de nua e grávida.
Os seus retratos surpreendem pela diversidade de olhar, técnica e humor. É uma fotógrafa que consegue conciliar no retrato o apuro da técnica com a emoção da repórter.
Num documentário sobre si Leibowitz reconhece que o facto de ela ter viajado muito com os seus pais pelos Estados Unidos e de terem consigo sempre uma pequena câmera de 8 milímetros a entusiasmou para a fotografia.
O pai, que morreu algum tempo depois de Sontag com 91 anos e que também aparece no álbum, acabou por lhe oferecer uma Nikon quando ela tinha 17 anos e foi essa prenda que a tornou numa fotógrafa.
A fotografia que mais a influenciou foi um retrato de família feito pelo pai onde todos apareciam perfilados lado a lado olhando para a objectiva. A imagem é de uma simplicidade e de uma geometria minimalistas que a influenciaria no trabalho futuro. Simples, divertido, comunicativo.
As brumas do preto e branco neste “ Photograper`s Life” são o tom da edição. Como numa sinfonia de olhares, medo e paixão parecem desaguar no Rio Hudson que se vê do estúdio da fotógrafa em Nova Yorque. Um rio que parece ligar a América a Sarajevo, ao sangue e à morte, ( ela esteve em 1995 em Sarajevo com Sontag no pino da guerra) mas também à felicidade do nascimento concretizado nos seus filhos gémeos fruto do amor a Sontag por interposição do filho da escritora. Aos 51 anos de idade Leibowitz engravidou por inseminação de esperma doado pelo filho de Sontag.
Raramente um fotógrafo cavou tanto a alma ao virar a câmara num contra-campo longo de 15 anos. Um tempo de felicidade abruptamente cortado pela morte de Susan e do pai mas também renovado pelo nascimento dos gémeos.
E as fotografias lá estão: nervosas, tremidas, esbatidas, sem tempo para rigores formais. As fotografias ali estão nas horas da dor como uma raiva desmedida mas com a obsessão de fotógrafo: eternizar a tragédia, mesmo a nossa, ou provar que há fracções de segundo eternas de felicidade.

Susan Sontag escreveu no seu ensaio sobre a fotografia que “fotografar um objecto é possuí-lo”.
Annie Leibowitz não podia homenagear melhor aquela que amou nesta longa viagem sem regresso, materializada pela força dos instantes.

( texto publicado na Única da passada semana)

1 comentário:

  1. Conhecia as imagens (quem não conhece?) mas desconhecia estes pormenores deliciosos do seu percurso.
    Obrigado pela partilha do texto.

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