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sábado, setembro 02, 2006

O passado de Merche Romero, o futuro de Natascha Kampusch





A fotografia recuperada de Merche Romero, dos tempos em que se chamava Merçê e concorria a Miss Rio Maior, e a imagem de Natascha Kampusch, a jovem de dezoito anos que desde os dez viveu com o seu raptor numa cave escondida na Áustria, reconstruída no photoshop para dar uma ideia do que ela é hoje, têm ambas uma curiosa aventura.

Estas duas fotos trazem consigo a crueldade do tempo e o desejo imaginário que há em muitos de nós.

A menina gorducha, vestida de suburbana, que perdia o título de miss para uma actual secretária em Santarém (e que é hoje uma anónima no meio de papelada de um stand de carros) deu lugar a uma das mais desejadas mulheres portuguesas.

A outra gorducha que aos dez tinha um sorriso angélico, diz hoje aos dezoito ( depois de ter fugido da “cave Adão”) ter gostado do carcereiro. A foto imaginada, pode não corresponder à realidade, mas não deve andar longe do personagem real.

As imagens como testemunho ou como objecto da imaginação acabam por tornar reféns delas as suas vitimas: os retratados.
Daí a relutância de certas culturas em se deixarem fotografar e a preocupação de figuras públicas em construírem a sua personalidade visível a partir de estereótipos, controlando ao pormenor tudo o que dão a mostrar.

Acabamos sempre reféns da nossa imagem.
Susan Sontag escreveu em On Photography: «fotografar é possuir um objecto».

Se tínhamos como adquirido que as estratégias perversas de «o que parece é» só se aplicavam a artistas e derivados e a políticos burgueses, a imagem do camarada Jerónimo de camisola de alças amarela a bulir na construção da Festa do Avante, numa réplica de manequim da GAP em versão proletária, não podia ter sido mais surpreendente: é o regresso aos tempos da propaganda soviética, do ícone do homem de mármore, aos heróis de papel.

Acabamos sempre reféns da nossa imagem.

( também em www.expresso.pt)

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