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quinta-feira, abril 20, 2006

Os Últimos heróis do fotojornalismo



TEXTO PUBLICADO NO EXPRESSO ONLINE A PROPÓSITO DO PRÉMIO VISÃO



Foram fotógrafos como James Nachtwey ( na foto à esquerda, fotografado por mim) e Christopher Morris, que desde ontem estão em Lisboa a convite da Visão, que mudaram a minha vida. Quando descobri as suas fotografias há mais de vinte anos decidi que a arquitectura era uma batata e decidi andar pelo Mundo, Leica no olho, testemunhando a aventura humana.

Claro, sou um romântico sem remédio que acredita no jornalismo de causas, na visão de autor para comunicar com os leitores, e que põe a emoção acima da razão quando à minha frente tenho de registar aquilo que desaparecerá para sempre se não disparar certeiro e bater em retirada.

Há cinco anos, quando Nachtwey mostrou na Culturgest a sua exposição itinerante, eu fiz por lá uma descida aos infernos, mostrando aos meus alunos de fotojornalismo da UAL o quanto era imprescindível para eles o conhecimento daquelas imagens. Os putos ficaram petrificados. Os trabalhos que me trouxeram no final do ano revelavam uma sensibilidade, que tinha tudo a ver com aquela visão dantesca, que Nachtwey tinha dado através do preto e branco denso e da cor gritante de dor.

Penso que aquela experiência lhes terá dito mais sobre o jornalismo que horas e horas de aulas sobre semiologia, estatística, matemática ou como fazer bem televisão com uma câmara num tripé e uma edição com planos de corte!

O que marca definitivamente o trabalho destes dois fotojornalistas não é a «habilidade» técnica para produzirem fotografias irrepreensíveis ou a coragem física para enfrentarem os maiores perigos. O que marca é a força moral e ética, a intenção determinada para darem a ver o seu mundo, sem contemplações, sem cedências a modas ou a tiranetes de redacção. O que marca nas suas fotografias é a força que aquelas imagens deixam para sempre, fruto de um percurso que tudo leva à frente como um «buldozer» que lavra uma terra até à raiz.

No filme de Christian Frei «War photograher» vemos Nachtwey em acção em vários pontos do globo. Duas mini-câmaras coladas na sua Canon EOS1 acompanham-no quando ele fotografa uma família que vive à beira do caminho-de-ferro em Jacarta, nas manifestações de estudantes contra Shuarto, na Faixa de Gaza ou junto de mineiros de minas de enxofre. Jimmy mantém sempre uma aparente calma e frieza ao mesmo tempo que estabelece facilmente uma relação cordial com quem fotografa. Dentro da acção ele envolve-se com o movimento, com os rostos, com a gente que luta e sofre. Sem paternalismos, sem bandeiras, sem demagogia.

Morris, vi-o no filme «Decisive moments», rodado em 1978, sobre jornalistas de guerra. Corria por baixo de rajadas de balas, desafiando os «snipers» na grande avenida de Sarajevo. Numa das cenas mais incríveis ele pegava na célula fotoeléctrica e media a luz no meio do tiroteio para não falhar a exposição correcta!

Este misto de profissionalismo e cavaleiro andante é notável e traduz-se no resultado final: fotografias ímpares como obras de arte, documentos jornalísticos únicos que encheram as páginas de Paris-Match, Time, Life para não dizermos de todos os grandes títulos de referência da imprensa mundial.

Eles representam uma escola de jornalismo avançada que não sei se terá continuidade. Sem o apoio de editores de revistas como Time ou Stern, que apostam forte no trabalho deles, dando-lhes condições de financiamento e rasgando páginas com fotografias que valem muito mais que mil palavras, dificilmente sobreviveriam.

São fotógrafos que fundaram uma agência, a VII PHOTO, não para fazerem fotografias de agência. Leia-se: não para fazerem imagens na hora, indistintas, prontas para consumir num qualquer «fast-food» jornalístico. Fizeram uma agência porque, tal como os seus parentes da Magnum o fizeram em 1947, querem ser senhores das suas histórias e controlarem a sua produção. Daí o rigor que põem no que editam e daí a fama de muito mau feitio de Jimmy que não faz cedências editoriais.

Claro que o fotojornalismo não se pode resumir apenas a esta atitude e este é apenas um caminho, dois olhares singulares, entre muitos outros, Mas numa altura em que a banalização é regra na imprensa, estes fotógrafos ainda conseguem surpreender afirmando que o jornalismo puro e duro não se compadece com modas nem com diletantismos.

Podemos discutir estratégias, fazer sondagens aos leitores, podemos entrar em depressão com a queda das vendas na imprensa tradicional e ficarmos horas a arranjarmos explicações, mas há uma certeza que jornalistas como estes nos deixam: só conseguiremos chegar ao público (aos públicos se quiserem) se formos autênticos, apaixonados, audazes e profundamente profissionais no nosso trabalho. Simples, como as coisas difíceis e boas da vida.

1 comentário:

  1. muitos textos destes em aulas de reciclagem para jornaleiros, era o que era preciso. novo blog nos marcadores

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