O puxão de orelhas da ERC a Manuela Moura Guedes e ao Jornal de Sexta é um acto digno do 24 de Abril ou se quiserem ser mais "democratas" um acto digno do Conselho da Revolução na sua fase otelista. Falta só a Dra. Estrela Serrano, um dos elementos da ERC, vir ameaçar meter no Campo Pequeno os jornalistas desordeiros que ousem atentar contra o Poder ou que não se conformem com um cinzentismo regulado por normas e regras de contraditórios ou de uma forma à moda antiga de entrevistar.
Manuela Moura Guedes pode por vezes exagerar no estilo, personalizar demasiado a sua actuação, ou comover-se demasiado com os factos. Podemos pensar o que quisermos, no limite podemos mudar de canal: aquilo é pago pelos consumidores, não é pago pelos contribuintes.
Guedes até pode ter levado o seu telejornal a um beco sem saída, ao ter insistido até ao cansaço no "rebimba o malho" (!) mas não há dúvidas que há ali jornalismo de investigação, há serviço ao espectador e há trabalho de edição de factos. O resto é conversa e muita inveja por haver ali tratamento jornalístico que surpreende. Faz-me lembrar quando estive no Tal & Qual entre 82 e 85. Tínhamos todas as semanas manchetes excelentes, notícias únicas, vendíamos 130 mil exemplares, mas a concorrência sorumbática dizia sempre que éramos sensacionalistas. Mas não levantavam o cú da cadeira para fazerem reportagem.
O que o jornal da TVI faz é um programa para betinhos, comparado com o que fazem os tablóides ingleses e a maioria das televisões de referência. Nós estamos habituados ao servilismo, ao jornalismo de reserva, ao medo. Estremecemos com a polémica, com o diferente e tememos jornalistas com opinião. Já tentaram fazer o mesmo a Mário Crespo (a pressão de Câncio nas suas crónicas do DN) e acabou com ele a moderar os ímpetos. Está mais macio e Manuela Moura Guedes estava hoje muito mais contida, mais prudente, menos enfática. Não há profissional de imprensa por muito corajoso que seja, que não se fragilize perante ameaças à extinção do seu trabalho ou a consequências gravosas para a estação onde trabalha.
A ERC tem o poder de renovar concessões de canais e isso tem um poder sobrenatural. Aquela comissão é no fundo o correspondente aos coronéis do lápis azul. Esses riscavam, censuravam, mandavam os pides pela madrugada a casas dos desobedientes, os de agora ameaçam com multas, pressionam, amedrontam de outra maneira. Mais subtil, mas muito mais eficaz!...
Durante dez anos Estrela Serrano foi assessora de imprensa de Mário Soares. Viajei muitas vezes com ela e conheço-a. Tirando um episódio divertido em que ela insistia que eu já usara brinco e que teimava com um amigo meu que eu era "bicha"- mostrando portanto uma fraca, muito fraca mesmo capacidade de avaliação dos factos!- sempre a vi como uma pessoa simpática e por vezes bastante eficaz, facilitando a vida aos jornalistas. Conseguiu, em 1997, que eu ficasse escondido atrás de uma planta, na sala onde decorria a Cimeira Latino- Americana, na Venezuela, para eu poder fotografar e estar perto de Fidel Castro. Não a imagino ainda a fazer de juíza, de censor, de rainha da TV (no caso) de forma a dividir o bom do mau, o ético, do abjecto. Nem considero que tenha uma prática e uma história como jornalista que a tenham transformado numa provedora das coisas do jornalismo. Mas a vida evolui e na verdade acabamos sempre por descobrir em alguns, dons e dotes que nunca imaginaríamos encontrar neles na porca da vida!
Esta pressão sobre a liberdade de expressão é sinistra. A existência de uma ERC ou de uma lei própria para o jornalismo é tão fascista como a existência dos tribunais plenários do regime salazarento. Em democracia há leis para todos. Não há leis especiais. Quem insultar, caluniar, ofender, mentir em público, deve ser acusado e julgado pelos tribunais. Não pelas Estrelas serranas desta vida.
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