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quinta-feira, outubro 30, 2008

A bancarrota da Digital Railroad


Um professor de economia confessava-me esta semana, durante uma sessão de fotografia, que a história da sua infância que mais o comovia era a de um elefante que tinha comido um despertador e que nunca mais teve sossego. A máquina fazia-lhe o estômago e a vida numa permanente palpitação. E, como professor de economia, fazia logo a analogia com o que está a acontecer com empresas dos dias hoje, que gostam de comer outras mais pequenas (por vezes até maiores) sem terem cuidado em desmontar antes a papa em secções mais ou menos difíceis de digerir.

Que tem isto a ver aqui num blogue sobre fotografia? Muito. Infelizmente. A forma como as agências de fotografia têm sido devoradas por gigantes glutões como a Getty ou a Corbis, que adoram fotografias ao pequeno almoço e acabam o dia ceando portfólios de fotógrafos, até há pouco tempo afirmados como independentes, tem mudado o panorama do fotojornalismo mas também de outras áreas da fotografia de moda, publicidade, ilustração...todos os géneros que sabemos e queiramos inventar.

Este crescimento global da Getty e da Corbis criou uma rede de hipermercados da fotografia, um Lydl de imagens, compradas por vezes a custos zero e vendidas por três vinténs. O negócio está na quantidade movimentada, milhões de fotografias de arquivo, de fotografias sem pai nem mãe, de amadores ávidos por verem publicadas as suas habilidades, de profissionais falidos ou de jovens desempoeirados que dão tudo por uma oportunidade. Tudo regras da vida, mas que levadas a cabo com uma almofada financeira até agora confortável, tem permitido o ofuscamento de agências como a Gamma, a Sipa ou a Sygma (esta última facturava milhões de francos franceses há meia dúzia de anos), e começam a pôr em causa a rentabilidade de agências mais elitistas como a Magnum, a Seven ou a Noor.


Tal como na vida financeira, as grandes agências existem acima dos custos e conseguem impôr-se aos clientes da imprensa e de empresas porque praticam preços baixos com fotografias bonitas mas sem alma nem carácter, um fast-food de imagens. Os jornais, agora apertados pelos orçamentos baixos, preferem comer happy meal em vez de bife do lombo.

A forma muito fácil de importar fotografias destas agências também permite a existência de um mercado favorável.Ora, no meio desta confusão a Digital Railroad era um site muito interessante, um oásis fotográfico, que permitia o alojamento de fotógrafos independentes e de agências pequenas com uma produção original, muitas vezes com trabalhos comprometidas política e socialmente. Agências de referência como as americanas Redux e Seven ou como a Noor, para não citar fotógrafos portugueses e agências, ou o New York Times, que têm tido lá o seu arquivo pronto a comercializar na hora, acabam todos de levar a maior banhada ao saberem que a Digital Railroad acaba de falir. E todos os arquivos que lá estavam nos servidores estão neste momento indisponíveis. Para os proprietários e para os clientes!... Um apagão de fotografias.

Faliu. O negócio não deu, apesar de representarem milhares de clientes.
Um fotógrafo da Noor dizia-me em Perpignan, no mês passado, que a maioria das fotos que a agência vendia continuavam a ser comercializadas por...telefone. Parece que na hora os clientes preferem falar a fazerem um download e pagarem com o cartão de crédito.
Esta falência é um rombo monumental, porventura o maior até agora neste novo mundo da fotografia digital com todo o tipo de ferramentas acessíveis e rápidas para divulgar, vender e comprar imagens.
A Digital Railroad era a primeira e talvez a última esperança dos fotógrafos independentes e das agências de nicho não serem comidas pelo papão da Getty. A esperança morreu.

(Também em www.expresso.pt)

4 comentários:

  1. é preciso voltar atrás sff....o artista tb deve dar a cara pelo seu trabalho, em perigo de ser devorado pelos tubarões, trabalho e criatura. Quem gosta de andar a discutir com borgessos as qualidades icono-informativas das suas imagens ? mas se tiver que ser para salvar a profissão: why not? . Neste momento menos competitividade feroz entre pares só beneficiará a arte. Outra sugestão é ocupar espaços com exposições que podem muito bem ser de qualidade mas sem rodriguinhos nas molduras, catálogos ou nas recepcionistas ,a menos que sejam giras e chamem público alheado da beleza das fotos e do resto.
    Outra luta é diminuir a propaganda sobre a inevitabilidade do digital, as suas fantásticas oportunidades etc. Tudo isso é verdade mas a fotografia têm um assado que se mantêm de registo em filme. Não hostilizar quem ainda prefere o grão os pixels pode até ser uma prova de bom gosto, ou se já se esquecerem todos que o João do Grão tb é antiguinho e ainda existe a fazer bacalhau á zé do pipo e punhetas de bacalhau? Ora
    apoiemos os que ainda curtem revelar e ampliar para manter o mistério da fotografia interessante, vivo e actuante.

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  2. Petição IVA COM RECIBO

    Alvo da petição: Ministério das Finanças

    TERMINA HOJE, PELAS 24 HORAS

    (ainda está a tempo de assinar, caso pretenda fazê-lo)

    É importante para as PME'S Portuguesas, o apoio a este movimento.

    Ver aqui:


    http://www.pnetpeticoes.pt/ivacomrecibo/


    Alteração da data de exigibilidade do IVA, para que este imposto passe a ser devido ao Estado apenas após recebimento da factura e não após a sua emissão.

    Proposta

    - Que o IVA seja apenas devido ao Estado após o efectivo recebimento da factura

    - Que por cada dia de atraso do pagamento dessa factura, exista uma taxa de juro obrigatória por lei nacional e de implementação automática

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  3. Se os jornais e revistas lutassem afincadamente pela manutenção do fotojornalismo a par do jornalismo de textos, talvez não se chegasse a este ponto.

    Mas vemos em cada vez mais sítios o dispensar dos editores de fotografia, e a deixarem ou o cargo vazio ou até a sugerirem preenchê-lo com "desenrascas"...

    p.

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  4. Caio na asneira da repetição e de continuar a ser chato, mas pessoalmente, penso que esta coisa do fotojornalismo continua a estar dependente pela economia de mercado.
    Se pode dar lucro, pode haver fotojornalista.
    Mas se não dá lucro, é considerado despesa suplementar e em altura de corte de despesas... lá vai o tipo da fotografia às urtigas.
    Em último recurso é então que se tenta "rentabilizar" o fotojornalista sugerindo-lhe que para o seu bem, seria conveniente que também sacasse umas imagens em vídeo. Para o site do grupo, claro.

    Ok. Aceitando que o fotojornalista se possa adaptar aos novos desafios e ainda que esta saída possa constituir uma mais valia para ele próprio em termos de criatividade e para o grupo económico para quem trabalha por razões óbvias, há sempre a questão editorial e de custos.
    E aqui é que reside a minha mágoa. A mentalidade do nosso jornalismo está muito virada para a “rentabilidade” e o lucro, deixando para trás a ideia de que um projecto editorial concebido com bases e critérios puramente jornalísticos e editoriais possa ser rentabilizado.
    Mas será que em Portugal um projecto deste tipo teria receptividade pelo público e venderia o suficiente para rentabilizar o projecto? Também tenho dúvidas.

    Cada vez mais o vejo o jornalismo como um negócio e não como uma missão.

    Os “grandes” querem comer os “pequenos” e com isso poder deter exclusividade e... lucro, claro.
    E quem se lixa nesta coisa toda?
    Quem não quer entrar no esquema, claro.

    PSousa

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