O rúido ensurdecedor do novo aeroporto

Canha hoje ao fim do dia. Fotos Luiz Carvalho/Expresso

Sócrates já nos tinha dado estádios de futebol, agora dá aeroportos

Pior do que vai custar o novo aeroporto é ter que se ouvir falar dele.
Os portugueses eram doidos por telemóveis, passaram a ser doidos por aeroportos. " O da Ota era melhor porque tinha mp3 e 2 gigas, não o de Alcochete é melhor porque dá para aterrar de mãos livres, por favor Rio Frio é que era pois avisava os radares à distância. Não: Bom, bom era em Alverca porque dava senhas para gasóleo no Luta !"

Os tugas estão divididos: os da Ota queriam ser o centro da Nação, os do deserto radiantes porque acham, na sua patetice, que vão passar a ter uma vida porreira com campos e casas sobrevalorizadas, estranjas à porta, o diabo a quatro. Já cheira a dinheiro, negociata, sorte em vez do trabalho. O sonho dos portugueses:enriquecer à barba longa, sem fazer nestum. O El Dorado luso transforma-se em anti-Midas. Temos o condão de transformar em merda tudo em que tocamos.

Estive em Canha , a vila que vai viver ter aviões por nuvens. A malta estava contente e excitada: as televisões todas tinham lá estado a fazer directos dos cafés. Os vizinhos apareceram ao mundo. Canha ficou no mapa. Percebo como isso dá orgulho, mas essa fama vai ter um preço alto para as vidas daquela gente, não vai ser gratuita.
Com a ingenuidade dos crentes e beatos, aquele povinho está a pensar ficar na maior com aviões a roncarem-lhes aos ouvidos ( podem ser 60 por hora !), cercados de estradas por todos os lados, preços exorbitantes e stress constante.
Adeus vida rural. Aquilo vai virar um subúrbio. Mas o povo acha que vai ser bom. Vai ser tão bom como agora os vizinhos da Portela que vivem em Camarate. Estão ricos, anafados e com as propriedades a valerem milhões. Eheheeh!...
Eu que cresci a 500 metros do Aeroporto da Portela, na Rua Reinaldo Ferreira , à Avenida do Brasil, deveria estar rico com a proximidade do aeroporto ! Na verdade as pessoas adoram acreditar em miragens e fazem da imaginação uma esperança de vida. É por estas e outras que Fátima dá lucro, embora também tenha sido preterida com a opção Alcochete.

O aeroporto em Alcochete vai-nos custar uma verdadeira pipa de massa, vamos empenhar ainda mais o futuro. Não sou economista e não faço ideia se o investimento brutal vai ter o retorno em termos de desenvolvimento e riqueza. Duvido. Não sei se a economia de um país se desenvolve por ter um aeroporto mesmo que tenha uma estrutura económica nada competitiva. Nem sei se haverá um passageiro a mais em Portugal porque há um aeroporto novo que fica a 100 euros de táxi de Lisboa ( portanto por vezes muito mais caro que o próprio bilhete).
Repare-se que o novo aeroporto não irá ter para já ligações de comboio rápidas a Lisboa, Algarve e Porto. Como não sabemos o que vai ser o futuro estar a contar com os comboios à porta do Aeroporto José Sócrates é optimismo a mais.

Lisboa vai ficar mais fora de tudo, desactivada. O Alentejo vai poder beneficiar de fundos que não teria. Logo: os negócios no Alentejo, os ricos de lá já esfregam as mãos.
A zona centro ficará prejudicada e é lá que está a ser produzida a maior da nossa riqueza para exportação.

Um aeroporto não é hoje em dia uma gare para passageiros é mais que isso: é uma central de distribuição de mercadorias e centro de negócios. À volta dos aeroportos crescem cidades que servem de apoio a empresas e centros de encontros para quadros de empresas multinacionais. Por exemplo: um encontro de quadros em Lisboa de uma multinacional deixa de fazer sentido se em Alcochete houver um eficaz Hotel para essa finalidade.

Continuo a achar que acabar com a Portela é um luxo, um desperdício de um país que gosta de fazer figura de rico. Destruir uma infraestrutura daquelas que tem possibilidades de crescer para Figo Maduro e ser completada com um outro aeroporto que porventura pudesse reforçar as necessidades da zona centro, não sei se não seria mais acertado.
As obras faraónicas não são produtoras de riqueza, são elefantes brancos que nunca mais serão pagos.
Um país sem uma rede ferroviária eficaz, com estradas portagadas, com estradas secundárias da treta, um país sem uma plano de interfaces, vai ter um aeroporto faraónico e um TGV que tem de travar logo que acelera ?

Tenho dúvidas, muitas. E acho que esta resolução do governo foi rápida de mais, precipitada, mais uma vez fez-se política em vez de se fazer planeamento ponderado. Dá um ar de pouca honestidade.

Depois há um pequeno pormenor com Alcochete, mas ninguém fala: o maior lençol freático da Península Ibérica está mesmo ali e qualquer contaminação será fatal para o fornecimento de água potável a milhões de habitantes. Talvez a ASAE possa tomar conta desta ocorrência...