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domingo, dezembro 30, 2007

Gehry e a púpila do senhor doutor


Aproveitei o descanso alentejano para pôr a leitura em dia.
Leitura e ver alguns filmes que tinha em lista de espera.
Vi o filme de Sidney Pollack sobre o arquitecto Frank Gehry. É um documentário notável sobre a obra do famoso arquitecto. Fiquei estarrecido com a obra do mestre do risco.
A arquitectura foi sempre para mim uma vocação adiada. Nunca consegui em dez anos de arquitecto fazer minimamente o que queria e ao abandonar de vez a arquitectura pelo fotojornalismo, ficou sempre dentro de mim uma missão adiada.

Gehry tem da arquitectura um conceito notável: alia o arrojo da forma ao funcionalismo, faz da arquitectura um objecto para servir o Homem e para o pôr num palco de magia, luz, volumes, espaço, movimento, tempo, emoção.
O documentário foi realizado por outro mestre que muito admiro, o Sidney Polack. Este documentário foi feito com uma câmara mini-dv, uma Canon xm1 ( igual à que eu tenho) que o próprio realizador empunhou, sempre à mão, sem tripé, andando atrás do arquitecto e conversando com ele.
Este conceito de documentário é-me muito querido. Defendo, e pratico, que é muito aliciante poder usar uma câmara com espontaneidade, sem perder o rigor formal e a qualidade técnica. Há muitos exemplos e este trabalho de Polack confirma que a qualidade de um filme não está no peso do equipamento mas sim no talento de quem o faz.

Fiquei a perceber definitivamente que a recusa em dar o projecto do Parque Mayer a Gehry foi mais uma das grandes burrices socialistas. Quiseram fazê-lo por razões políticas e por um evidente lobby dos arquitectos que pairam em volta do poder autárquico.
Os lisboetas iam ganhar uma peça de arquitectura que atrairia muitos milhares de turistas e poriam Lisboa no mapa do turismo internacional cultural. Por exemplo: Bilbao tem 35o mil habitantes e 750 mil visitantes por ano que acorrem para ver o Guggenheim. Nunca aprendemos.

O livro que li ontem foi "Os meus 35 anos com Salazar" da autoria de Maria da Conceição de Melo Rita,( Micas) e do Joaquim Vieira. Fotos actuais da Clara Azevedo.
Micas
foi a pupila do senhor doutor Salazar, viveu em S. Bento, criada por ele e educada como de uma filha se tratasse.
O livro é um documento histórico notável, muito bem escrito, com a análise e o enquadramento histórico do Joaquim Vieira. É de certa forma o reverso do livro de Dacosta sobre Salazar.
Fiquei de novo a saber das qualidades humanas do homem que mandou demasiado tempo em Portugal. Ali se percebe muito do nosso paternalismo social, da pieguice, da forretíce, do cinzentismo e da nossa tolerância temperada com rezas, sacrifícios e boas intenções.
Está lá a minha infância, a ideologia da minha geração, percebemos porque tivemos de nos tornar de esquerda, do contra. Crescemos contra a filosofia de vida Salazarista. Não que fosse má de todo: era patriota, honesta, bondosa, rural, comedida, fraterna, poupada, com o sentido da responsabilidade cívica. Havia noção de Pátria, família e respeito. Nos tempos que então corriam entre uma economia falida pelos jacobinos da 1ª República e uma política democrática desacreditada pelos republicanos ávidos de poder, Salazar surgiu como o fiel da balança. O salvador da Pátria, claro.
Se tivesse saído em 1956 tinha sobrevidido como herói, acabou como fantasma nacional.
O fim e a forma como desabou o seu Mundo, que previu nas longas conversas à noite com a Micas pelos jardins de S. Bento, foi trágico. E triste.
Fomos governados por um homem solitário, austero e bondoso, que gostava de flores, da companhia das mulheres e que sonhava um dia deixar o poder e regressar à terra natal para se dedicar ao vinho, à leitura e, porventura, ao amor. Esteve quase a fazê-lo com Christine Garnier mas quando teve de optar, adiou. Como o fez sempre com a passagem do poder.

8 comentários:

  1. Mini DV na não recorda-me Agnès Varda. Que documentários...
    Quem diria que era possível fazer documentários com uma câmara igual à tua. Tu nem os aniversários dos miúdos gravas em condições.

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  3. Faltou uma dimensão importante na vida a Salazar.
    Casar, ter filhos.

    A vida foi "rara" para este Estadista.

    Talvez a sua visão se alargasse mais à modernidade, às mudanças que foram eclodindo em toda a Europa.
    Mas não, em termos de mentalidade, nunca saíu do seu mundo rural.

    Foi pena. Para ele.

    Mas sobretudo para nós, vetando-nos a um atraso, impossível de recuperar. Ainda hoje estamos a pagar isso, e continuaremos....

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  4. Epa o Salazar atrasou-nos na epoca por não se adapatar aso tempos.Mas ja esta na altura de virar a pagina e se continuamos atrasados o homem já nada tem a ver.As culpas são do pos 25 de Abril.33 anos ja é muito tempo.Chega de culpar o Salazar e agora não vamos culpar o Nick Knight nem o pinho ;);)

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  5. anónimo, a culpa é uma palavra, que não me agrada.

    Mas usando a sua terminologia, não culpo salazar.
    Salazar teve ao seu lado muitos e muitos portugueses, que pensavam como ele. De forma fechada e provinciana.

    Ainda hoje os portugueses têm quase todos um bocadinho de salazar.

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  6. "Ainda hoje os portugueses têm quase todos um bocadinho de salazar." Não defendo o Salazar(pelo contrário),mas se há uma coisa que os portugueses não têm.Principalmente quem nos governa,é pensarem como salazar nesse ponto(servir o estado,não servir-se do estado);););).
    O homem deve ser dos pucos ditadores que nem fortuna pessoal acumulou.Dps da sua morte a herança era um casebre e um quintaleco,em St. Comba Dão,que os familiares nem quiseram tal a pobreza franciscana da coisa.Os pós 25 ......ja não é bem assim,esses ostentam sem pudor ;););)

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  7. Concordo Caro anónimo, hoje, grande parte dos nossos políticos, servem-SE do Estado, e não servem o Estado, conforme deveria ser.

    Salazar não o fez. É um facto !
    Nesse aspecto, até gostaria que Salazar ressuscitasse para tomar conta (novamente) das Finanças Públicas.
    Há muita despesa pública, que apenas serve os interesses, de detentores de Poder.

    Por isso é que a Política é muito "interessante" (com aspas, claro !)

    ;-)))

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  8. Ainda hão-de chorar pelo Salazar!
    E serão os mais pobres que terão mais saudades! Aqueles que hoje irão ficar sem casa , sem mulher e com a familia destruida pela febre do capital fácil,irão lembrar o Salazar com muita saudade!
    O Salazar dizia que com a casa não se podia gastar mais de 1/3 do vencimento. Assim não deixariam as casas penhoradas!

    Os comunistas também se irão lembrar muito do Salazar quando o seu proletariado já nem for preciso! E todas as lutas terem sido em vão por não terem tido "olhinhos" para virem donde vinha o enimigo e vão morrer sem saberem agarrados à foice e o martelo!

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