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domingo, março 25, 2007

Todos nós devíamos ir à baixa da Banheira

Já foram à Baixa da Banheira ? Deviam ir. Todos os políticos deviam passar um dia pela Baixa da Banheira como eu fiz hoje. Aprende-se muto sobre o outro Portugal: o social, o abandonado, o pobre, o que não existe.
Estive lá a fotografar uma procissão com teatro alusivo à crucificação de Cristo.
Largas centenas de pessoas com as crianças vestidas de anjos participaram no evento organizado pela igreja e por um grupo de franciscanos, fãs, fanáticos, devotos do santo.

A Baixa da banheira é um subúrbio de Lisboa nascido nos anos sessenta colado a um tecido urbano antigo. Tem toda a paisagem de subúrbio: casas escalavradas, uma linha de comboio com passagens para carros e peões, janelas tristes com gente a espreitar, lojas decrepitas e lojas de chineses, ruas com nome de liberdade e uma rua chamada da amizade, cartazes do PCP chamando à acção política, céu de chumbo onde espreita arco-íris, tascas com pastéis de bacalhau e televisões de plasma, carros abandonados nas ruas sem saída, gente de kispos escuros como um país de Leste dos anos setenta, muitos velhos, idosos como é correcto dizer, crianças loiras e alegres, algumas mulheres que devem ter sido belas, ex-cover girls de revistas eróticas vestidas de santas, padres antigos e padre de cabelo comprido e ar de cocheiro, uma igreja que parece uma estação de camionagem, uma cruz de néon recortada na rua deserta, uma tristeza latente, a triste vida dos subúrbios das cidades modernas- partindo desse princípio para se falar de Lisboa.

Há alguns anos fui à baixa da banheira fotografar um quarto onde tinha vivido um serial killer que actuava nos comboios franceses, Hoje voltei para fotografar uma procissão.

14 comentários:

  1. comecei a fotografar (e ainda fotografo, apesar de quase ninguém querer publicar este género de portefólios) e a aprender fotografia precisamente neste também portugal ("outro Portugal: o social, o abandonado, o pobre, o que não existe."), e sei do que fala. lembro-me perfeitamente de, por exemplo, um senhor com os seus 60 e alguns anos vir ter comigo e perguntar-me se eu conhecia o "paisinho". eu muito espanto não fazia a menor ideia, até que ele sempre em insistência levou-me a pensar que se referia a salazar. e era. era um homem que adorava salazar e lhe chamava "paisinho". era um homem que sempre foi pobre e passou fome no tempo de salazar, ainda assim admirava-o profundamente porque, dizia ele, na altura havia respeito, na altura ele (o tal senhor) era respeitado pelos filhos e fazia-se valer no papel de pai e coisa e tal. espantado ouvi tudo com atenção. não quis discutir com ele acerca do meu pensamento por saber que não iria valer a pena, mesmo tentando muito. percebi que no fundo, ele estava a confundir as coisas e tudo misturado com saudosismo é explosão.

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  2. Para o ano, houver repetição, não quero perder o evento.

    Entretanto deixei num blog do qual sou co-autor, não uma resposta mas uma tentativa de contextualização.

    O "céu de chumbo onde espreita arco-íris" foi certamente obra do divino, porque não é conhecido nenhum microclima banheirense :D

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  3. Permita-me discordar da sua interpretação e até lhe fazer alguns reparos:

    1- A Baixa da Banheira pode ser considerada como um verdadeiro exemplo de urbanismo, não pela sua evolução mas pelos seus espaços recentes. A zona ribeirinha é ocupada por um parque urbano;

    2- As gentes da Baixa da Banheira não mereciam o que escreveu. Não é tudo mau e atrevo-me a escrever que essa interpretação é preconceituosa e depende muito da sua vivência;

    3- Não considero que uma pessoa que passa e depois passa novamente depois de alguns anos possa fazer seriamente uma interpretação deste tipo.

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  4. Este post é absolutamente delicioso, apenas faltando afirmar que os dois comentadores acima são dos que ajudam a tudo aquilo ser mais cinzento.
    Eu sei, cresci mesmo ao lado onde o cinzento é mais acastanhado, mas nem por isso mesmo cinzento.
    E ai de quem queira dar cor àquilo que não seja a cor certa.
    :D

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  5. Pedindo desculpa pela segunda anotação, só gostaria de sublinhar que ao lado, na pacata vilória de Alhos Vedros de que não sou nado mas apenas criado, o tom é mais para o pardacento e uma visita num dia de Domingo, mesmo primaverial, é coisa para suscitar prosa bem mais dura.
    Mas o pior cego não é o que não vê, é o que não quer ver ou finge que... E por lá há muitos comos os de cima.

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  6. Um retrato soberbo. Parabéns.
    Infelizmente o chamado poder moiteiro, cujas raizes políticas e culturais, estão não na Moita mas na Baixa da Banheira, está fortemente apostado, por via do favorecimento da especulação imobiliária, a transformar todo o concelho numa selva de betão, numa imensa cidade dormitório sem vida económica própria, com todas as convulsões sociais daí emergentes. Num concelho demasiado cinzento.

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  7. Afinal os cinzentos que Luiz Carvalho referiu vieram comentar ao blogue.

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  8. Luiz Carvalho está errado, a Baixa da Banheira não nasceu nos anos sessenta, aparece sim as primeiras referencias a partir dos anos 30/40.
    Contudo, o Post retrata a realidade da Baixa da Banheira, talvez de um modo ligeiramente "poetico" mas é uma realidade o que diz. A Baixa da Banheira (com letra grande não como escreve no ultimo paragrafo) é uma terra triste mas simultaneamente uma terra singular.

    Não é contudo o que diz o Sr. Nuno Cavaco, eleito pelo PCP para a Junta (Urbanismo e tal e coiso - A Baixa da Banheira pode ser considerada como um verdadeiro exemplo de urbanismo...) "esquecendo-se" de pequenos pormenores como sejam o Parque de que o mesmo sr. fala:

    http://berbequim.wordpress.com/2007/01/08/parque-jose-afonso/

    que se encontra assim há anos.

    Ou mesmo a "Alameda do Povo" em plena estrada nacional:

    http://img.photobucket.com/albums/v716/Brocas/AP004.jpg

    http://img.photobucket.com/albums/v716/Brocas/AP005.jpg

    ou ainda, um exemplo perfeito de excelencia urbanistica a praça inaugurada com pompa e circunstancia há meia duzia de anos que ainda não tem entrada para os comerciantes:

    http://img.photobucket.com/albums/v716/Brocas/maio06030.jpg

    e ainda o famoso parqe de que se fala:

    http://img.photobucket.com/albums/v716/Brocas/jardim.jpg

    bem como aqui:

    http://img.photobucket.com/albums/v716/Brocas/pja/003.jpg

    e aqui

    http://img.photobucket.com/albums/v716/Brocas/pja/002.jpg

    Caro Luiz as minhas desculpas pela invasão, mas tinha de ser.

    Nuno Cavaco um abraço e até à próxima.

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  9. Bem o meu amigo Carlos aponta uma série de problemas concretos e em alguns tem razão, mas noutros nem tanto:

    O Parque Zeca Afonso é um exemplo de uma opcção urbanística correcta (como era bom o ALLGARVE com parques daqueles);

    A questão da Alameda do Povo aguarda intervenção da REFER;

    No entanto existem muitos problemas, como o estacionamento em algumas artérias. Concordo com muitos problemas que o Carlos aponta, não concordo é que o povo da Baixa da Banheira seja cinzento, não é, é um exemplo para o país.

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  10. Caro Luiz, foi bom encontrá-lo nestas lides bloguisticas e para além do universo da fotografia onde continua a ser uma referência.

    O Titulo do blogue apela ao trocadilho com o outro Mestre o do instante decisivo e acho fantástico.

    Excelente a descrição da B.B. , podia ser Amora, Corroios, Seixal, Laranjeiro, Barreiro...No entanto o Luíz salientou a face visivel, fotografável, pelos comentários acima fica a saber que há uma outra face, que na sombra do poder ou lá perto pretende que as coisas continuem assim, ali são mais bem-vindos os serial killers do que alguém que ponha em causa o status quo onde dominam.

    Uma limitação têm e grande, não sabem é comentar imagens, o blogue que subscrevo publicou até à data sobre a Margem Sul mais de oito centenas de fotografias ilustrando ou denunciando situações, não é a qualidade das imagens ou o seu instante "decisivo" que está em causa...mas a estes defensores dos bons costumes incomoda ao ponto de ignorarem... e isto sei que para o Luiz tem o seu interesse...

    Claro que a critica ou a denúncia é também ignorada, ridicularizada... o que interessa é desmascarar o mensageiro...

    De certeza que não sopunha que um comentário a um post sobre a Baixa da Banheira pudesse ter tantos comentários, mas há territórios assim, de ninguém, intocáveis!

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  11. Claro que existem território intocáveis, como em alguns lugarejos do Norte de Portugal onde os 40 de fascismo e as apostas dos democratas depois do 25 de Abril conduziram as populações a situações bastante complicadas.

    A Península de Setúbal é só a 2ª Região mais dinâmica de Portugal.

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  12. É verdade que a Baixa da Banheira não tem os palacetes que o Estoril tem, mas por outro lado, também não tem os bairros da lata que ainda hoje circundam as belas localidades da tão solarenga e colorida linha de Cascais...

    Não o sou de nascimento, sou-o de adopção e afirmo-o perante todos os que têm preconceitos anti-margem sul.

    Bem-haja a todos os Banheirenses.

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  13. A cidade deverá ser considerado um organismo vivo. Em constante mutação. O que estiver mal "doente" tenta-se curar. E a Baixa da Banheira pode não ser exemplo, mas também não é defeito.

    Sou mais um banheirense por opção...E acho que esta cidade tem um potencial urbano assim como toda a margem sul.

    A AML evoluirá a sul nos próximos anos. Tenham paciência. Isto dito por um Arq. Urbanista deverá ter algum valor.



    Abraços

    EDER FERNANDES

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  14. Nasci nos anos 60.Toda a minha infância foi vivida na Baixa da Banheira e não trocava por nada deste mundo a liberdade que tinha enquanto miúdo e as brincadeiras que com os meus amigos tinha na vila.Os miúdos eram felizes apesar da precariedade que havia em casa,posso dizer que tive a melhor infância que qualquer garoto desejaria.

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