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segunda-feira, março 19, 2007

Diane Arbus, fotografia e suicidio

Diane Arbus, em cima, Nicole Kidman, em baixo, a fazer o papel da fotógrafa em Fur ( A Pele)


fotografia de Diane Arbus (1923-1971)



"Para mim o sujeito de uma fotografia é sempre mais importante que a fotografia. E mais complicado..."- Diane Arbus, fotógrafa


A fotógrafa americana Diane Arbus marcou a história da fotografia contemporânea com as suas fotografias de figuras bizarras desde os anos cinquenta até meados dos anos sessenta.

O filme que agora estreou nas salas de cinema, com Nicole Kidman no papel brilhante de Arbus é uma versão livre e delirante da vida e da personalidade da fotógrafa. A mestria do realizador, a capacidade criativa do director de fotografia, a ambiência dos cenários e o talento de Kidman tornam este filme num dos raros casos em que saímos do cinema com o alento de termos partilhado uma já rara fita de autor.

Conheci as fotografias da Diane Arbus pouco tempo depois de me ter obcecado pela obra e pelo significado de Henri Cartier-Bresson. Já lá vão seguramente mais de 30 anos. Percebi logo que o registo de Diane Arbus nada tinha a ver com o do mestre francês, o teórico do Instante Decisivo, bem pelo contrário. Em Arbus prevalecia a pose, o relacionamento directo com os personagens apanhados na rua ou nos seus habitats naturais. As fotografias dela deixavam-me uma estranha angústia, uma mescla de ironia e crueldade, de ternura sórdida. Remetiam-me aquelas fotos para um olhar próximo de Fellini, um dos meus realizadores preferidos, mas ao mesmo tempo não tinham a tolerância e o paternalismo do mestre italiano. Nem podiam: ela era uma fotógrafa realista, ele um cineasta neo-realista com todas as diferenças culturais e políticas implícitas.

As figuras de Diane Arbus são infelizes e patéticas, inofensivas, desgraçadas, marginais. A técnica fotográfica em Arbus é elementar. Usava uma câmera de película 6x6, geralmente uma Rolleiflex, usada ao nível do umbigo e que enquadrava olhando por um visor colocado no cimo da máquina. Era mais discreta, dispensava levar o visor ao olho. O flash enchia de luz o primeiro plano onde se situavam as personagens que assim ficavam mais recortadas dos fundos. Esta luz de flash permitia olhares limpos, sem sombras, luz directa, crua como o olhar da fotógrafa. A técnica não fugiria muito à usada pelos fotógrafos de casamento, os bons, do tempo da película e do preto e branco muito nítido.

No filme lá estão muitas daquelas figuras bizarras que transformaram a vida pessoal da fotógrafa e a deixaram refém desse mundo estranho, estimulante, terminal que a fotógrafa abraçou: anões e nudistas de corpos disformes em campos próprios, gigantes em casas de bonecas, famílias jovens de postura estranha com filhos estrábicos, burguesas decadentes, faquires de circo, travestis e outros cromos.
As fotografias de Arbus parecem por vezes o prolongamento de muitas das figuras de Weegee, um fotojornalista de Nova Iorque famoso nos anos vinte pela coragem e pelo desassombro das suas imagens tomadas à socapa nas ruas da cidade.
Diane Arbus começou como fotógrafa de moda, ensinada pelo marido. Mais tarde foi com o maior director de arte de sempre, Alexey Brodovitch, o criador de Harper`s Bazar e com o fotógrafo Richard Avedon que deu os passos decisivos para uma carreira profissional.
Tornou-se fotojornalista nos anos sessenta. Publicou na Esquire, no New York Times Magazine, na Harper`s Bazaar e no Sunday Times,
Teve duas bolsas Guggenheim (1962 e 1966) que lhe permitiram desenvolver melhor o seu trabalho de autora, mostrado pela primeira vez num museu em 1967 (colectiva New Documents Museum of Modern Art).
O catálogo dessa exposição que o célebre editor John Szarkowski concebeu, em 1972, tornou-se num dos mais influentes livros de fotografia. Desde então, foi reimpresso 12 vezes e vendeu mais de 100 mil cópias.
A exposição do Museu de Arte Moderna viajou por todo o país e foi vista por 7 milhões de pessoas. No mesmo ano, Arbus tornou-se a primeira fotógrafa americana a ser escolhida para a Bienal de Veneza.
Um ano antes, em 1971, tomou barbitúricos e cortou os pulsos. Como se os personagens das suas fotografias, na sua expressão sórdida e pungente, tivessem sido a premonição do seu final infeliz.

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