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quinta-feira, dezembro 07, 2006

Dona Branca e Rosa Casaco não viraram costas

Quando pagamos com o cartão Visa, passamos na auto-estrada, os carros à civil da Brigada de Trânsito nos filmam, passeamos pelo centro comercial, consultamos a internet, ou fazemos um inocente telefonema, tudo fica num servidor que se for necessário juntará factos digitados e fará um memorando das nossas vidas.
Nos tribunais servem de prova, em casa denunciam escapadelas, no trabalho motivam para repreensões ou mesmo despedimentos.
Pese embora as várias comissões criadas para o controle das bases de dados, para a vigilância de atentados contra a moral ou de reguladores de quem divulga cenas eventualmente indiscretas, é evidente que as nossas vidas andam a ser registadas passo a passo.
A privacidade de cada um nunca foi tão violada.
E se pela calada somos fichados, pelo lado social raramente resistimos a abrir a porta da privacidade.

Esta semana, numa revista do coração, uma jornalista deixava-se fotografar no estrangeiro a fazer compras. Mesmo sendo uma jornalista séria, sóbria e competente acabou por cair na tentação do mundanismo e na frivolidade.

As figuras públicas, da política à cultura, ao negócio, escancaram as casas, mostram as namoradas em roupa escaldante, debitam banalidades com projectos de vida.
Hipotecam o futuro com promessas de amor, juras de fidelidade, desejos, para mais tarde-pouco mais tarde- caírem no ridículo e no descrédito.
Entretanto ficou a imagem produzida, estudada.
O público gosta, agradece e não esquece.

Nunca se falou tanto de protecção ao cidadão e nunca o cidadão permitiu tanta confiança.
Mas há outra vertente, que é a sistemática obstrução ao exercício do jornalismo.
(Descansem que não vou dar uma seca de direitos e ética, como se fosse do Sindicato dos Jornalistas, de que aliás deixei de ser sócio).

O que está a acontecer é que as áreas de acesso para os repórteres trabalharem são cada vez mais restritas, o controle mais burocrático. O jornalista está a ficar cada vez mais longe da acção. Fica onde o Poder quer, vê o que lhe deixam.

Na Presidência da República há agora mais baias, em S. Bento controle como num aeroporto, nas cerimónias oficiais mais grades da polícia, mais pools, mais dificuldades.
Durão começou a fazer-se rodear de gorilas, mas foi com Santana que o espectáculo dos seguras à volta do primeiro atingiu o ridículo. Santana gosta tanto de segurança que ainda hoje não dispensa dois polícias atrás. Fazem parte do cenário, ficam bem no boneco. Mostram poder e demonstram poder quando os fotógrafos disparam.
O pânico de atentados ou de cenas criticas para os governantes começou com Cavaco ainda primeiro-ministro.
Guterres tinha uma segurança discreta e Soares fugia à socapa dos polícias pessoais.
Sampaio tinha um corpo de protecção civilizado e discreto.

Outra vertente onde começa a haver dificuldade em trabalhar é junto das fontes, daqueles que são objecto da notícia.
Cada vez há mais gente a só se deixar entrevistar se a cara não aparecer, o nome for fictício e a história contada de forma a não identificar pormenores.
Quer dizer: histórias sem história. Uma reportagem sem rosto, nome, pormenores, é um relato frio e distante, pouco empolgante e de verdade duvidosa perante o leitor ,já que para uma história ser verosímil tem de conter algo que lhe dê credibilidade.
Em quase trinta anos de profissão confesso que raramente encontrei alguém que se recusasse a ser fotografado.
A fotografia da Dona Branca, que eu fiz depois de 2 meses de investigação( estava no Tal&Qual), conseguia fazer depois de convencer a simpática avózinha de que nada de mal lhe aconteceria (infelizmente não foi bem assim), e a história das fotografias de Rosa Casaco frente á Torre de Belém, para o Expresso em 1997, só foram possíveis depois de eu ter ganho a confiança sincera do antigo inspector da polícia política.

O jornalismo é também uma prova de fundo para comunicarmos com as fontes e depois com o leitor. Sem esta atitude o jornalismo torna-se cinzento, burocrático, vencido.

A moda que as televisões adoptaram em Portugal de entrevistar pessoas de costas, som distorcido, com uma edição de imagem caprichosa e maneirista ( coisa que não vejo numa CNN ou na ABC) fizeram escola, como muita coisa má.
A reacção contra as fotografias e as descrições mais particulares nos textos é um sintoma de que as pessoas estão a evitar aparecer nos jornais. Resta saber se é por mera defesa pessoal ou se por acharem que nós não estamos a dar confiança à forma como fazemos jornalismo.

Um tema interessante para comentarmos aqui.

Também em www.expresso.pt

7 comentários:

  1. Nota máxima!
    Porque será que estou quase sempre de acordo consigo, mesmo quando o Luiz diz alguns "disparates"...!?
    Já agora, quanto ao sabonete PSL, quando este não tinha direito a polícias, serviam no cenário os motoristas e as secretárias da câmara. Aliás, é espantoso que ainda hoje, pelo que diz, tenha direito a dois polícias. E, se calhar, um deles era o que o acompanhava em algumas das fotos na entrevista onde o Expresso estragou catorze páginas da Única, com a última entrevista em que lhe foi dado "colo". E agora, anda a TSF a obrigar-me a mudar de canal só para não ter que o ouvir na sua crónica semanal.
    Já não sei se gosto mais da sua máquina fotográfica para tirar fotos ou para escrever...!

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  2. eu que sou apenas um aprendiz, deparo-me muitíssimas vezes com essa desconfiança. atribuo-a ao (tele)jornalismo sensacionalista. quando confrontadas com a ideia de irem "aparecer", as pessoas presumem que o objectivo do jornalista é denegri-las, apanhá-las nas suas misérias inconfessáveis. não sei bem como lidar com isso.

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  3. Concordo inteiramente, debato-me com o mesmo problema. À desconfiança do exterior precede as orientações do interior de cada OCS. Há autocensura evidente e arrepiante. E exemplos que inibem os próprios jornalistas. Nunca imaginei chegar a este ponto. E o jornalismo da lama prolifera. As flores não medram. As consoantes do meio é que mudam de posição...

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  4. Se vocês, que são jornalistas ou conhecem o meio, dizem destas coisas, então, devem perceber o motivo dos polícias terem comportamentos "terroristas" quando têm que falar encapuzados, ou dos militares terem que fazer "passeios", sem prejuízo de achar este comportamento altamente censurável e que só retira credibilidade aos próprios.
    Hoje, dar a cara é só para quem pode e, pelos vistos, já nem todos os jornalistas podem!
    O que, aliás, para mim, não é novidade, porque conheço casos concretos, sobretudo na comunicação regional, onde alguns jornais estão prisioneiros da publicidade das câmaras municipais, por exemplo.
    Há cerca de dois anos um jornalista na prateleira e, ao que sei lá continua, foi entrevistado num canal de televisão a propósito do lançamento de um livro que escreveu, e à pergunta do seu colega, hoje, um escritor com centenas de milhares de livros vendidos e já traduzidos, sobre as motivações que o levaram a escrever, respondeu que "... Tinha três opções na vida: - ou ia para o psiquiatra, ou bebia uns copos ou escrevia um livro".
    Ainda bem que escreveu um livro, porque, meus caros, à conta dos novos pides andam por aí muito boa e competente gente na prateleira, que desabafa nos blogues, nos psiquiatras e nos copos.
    E estes novos pides não são os coronéis censores do antigamente, são gente com estatuto de democratas.

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  5. No 212ahora.blogs.sapo.pt
    Dans les Rues d' Antibes (De Claude Luter et Son Orchestre/Sidney Bechet)
    Ouvindo jazz bem antigo, dobro o som da televisão, fugindo ao ruído dos anúncios e vendo apenas os bonecos de soslaio.
    Todos os dias tenho que levar com o Gordo, "antes do telejornal", por respeito aos setenta e oito anos da minha Mãe, excepto quando alguma programação me interessa, porque aí, tenha lá paciência mamã, mas quem paga a TvCabo sou eu.
    O que é coisa rara, porque programação que me interessa só lá para as tantas, à excepção dos jogos de futebol inglês e dos canais temáticos.
    A ideia do blog tem subjacente a necessidade, porventura quase obsessiva, de falar, talvez para o boneco, mas não interessa, porque o importante é falar.
    Agora, esperem aí, está a falar a Carolina Salgado, na RTP1, vou pôr o mp3 em pausa.
    Interessante, diz que "os árbitros eram pagos em dinheiro e em meninas, que o Mourinho não ganhou sozinho, que ouve fugas na Polícia Judiciária do Porto..."
    O resto já sei.
    De facto, já não existem "putas virgens".
    Portanto, vou voltar ao meu jazz.
    Agora, "En Attentant le Jour"... Já não se toca jazz assim.
    PS: Entretanto, vou ver se consigo aprender a mexer nas funcionalidades do blog, porque, confesso, sou um pouco ignorante nesta matéria e noutras, também.

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  6. "... que ouve fugas na Polícia Judiciária do Porto..."
    Corrijo: "ouve" escreve-se "houve".
    É que este erro é grave para quem só agora editou o seu primeiro post.
    Nota:
    Com desculpas ao Luíz por estar à boleia sem pedir licença...

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  7. Deve ser por esta razão que me sinto por vezes como uma criança a desembrulhar uma prenda: faz-se uma pesquisa na internet, surgem várias possibilidades e... entra-se em algo diferente do que se pretendia, mas nem por isso menos útil ou estimulante.

    Por mais que tente conservar algum optimismo, é cada vez mais difícil tolerar esta maneira de ser mesquinha, "poucochinha", que ao invés de acompanhar o crescimento da nossa democracia, antes parece estagnar e até retroceder. Lá está: falei de crescimento, mas não falei de amadurecimento...

    Talvez, antes de continuar a fazer algum pseudo-jornalismo de alcova, que tudo mina, inclusive a credibilidade dos seus profissionais, e pior, de alguns "profissionais" que aparecem de microfone na mão e que não sabem sequer que o jornalista é um profissional, como um enfermeiro, assistente social, psicólogo, etc...

    Apesar de achar que algum jornalismo impresso já está preso de algumas tendências / conveniências políticas, já estou, muito sinceramente, na fase do mal menor e prefiro às vezes algumas pinceladas (mais claras ou mais escuras) em certos artigos do que a total inexistência de notícias com conteúdo.

    Parece-me que estamos perante uma mistificação que quisemos alimentar e acarinhar, porque nos servia de companhia e que agora, transformada em monstro voraz, incomoda-nos e não temos como parar de nutrir.

    As cadeias de televisão e algum corporativismo jornalístico também ajudam à festa: o espectáculo deprimente, grosseiro dos jornalistas que arrancam quase à força a confissão e a validação da tragédia que se abate sobre uam família miserável e não mais anónima, derivada da demolição de uma casa ou do acidente que vitimou mortalmente uma criança são so mesmo que pedem clemência e privacidade para a família do jornalista da TVI que se atirou (?) há uns anos atrás da Ponte 25 de Abril... diferença de estatutos?!

    O que me parece é que há jornalistas e jornalismo a fingir porque há pessoas "importantes" a fingir, também. E como não há outros critérios que não os de "chegar primeiro e mostrar primeiro", tudo serve para atafulhar noticiários, com muito sangue e muita "não-notícia".

    O senhor Pedro Santana Lopes causa-me repulsa, por todo um conjunto de razões que fariam perder muito tempo ("não se deve gastar boa cera em tão ruim defunto"), mas convenhamos que interromper uma entrevista política porque vem a descer do avião um treinador de futebol...

    E se de repente, todos os pseudo-importantes que colocam barreiras de manhã para se protegerem dos jornalistas e os convidam à noite para ir jantar, fossem alvo de um boicote generalizado dos jornalistas, recusando-se a fotografá-los, filmá-los, entrevistá-los?...

    E se os jornalistas deixassem de ser vistos como estrelas de jet-set da loja dos trezentos e fossem considerados apenas como profissionais credíveis que devem ser?

    What a wonderful world...

    Peço desculpa pela maçada,

    Joaquim Monteiro

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