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segunda-feira, dezembro 25, 2006

As novas revelações sobre o rosto judaico de Jesus



Com a devida vénia a António Marujo do Público:

Jesus tem um rosto judaico: profeta, rabi, perseguido como muitos outros. Os estudos mais recentes tentam desvendar esse aspecto até agora oculto do Nazareno. Mas permanece um mistério maior: o das razões da morte como um excluído, que torna esse momento "fundacional" para a identidade cristã.

O profetismo judaico é uma chave essencial para compreender Jesus. Cada vez mais, a investigação histórica e bíblica coincidem em que é necessário redescobrir a cultura e a geografia religiosa de Jesus Cristo para se poder entender Jesus em toda a sua verdadeira dimensão. Mas essa tarefa esbarra na escassez de elementos históricos que existem, quer de fontes cristãs quer judaicas.

"A chave mais importante para se entender Jesus é o contexto judaico" em que viveu, dizia o biblista José Tolentino Mendonça no primeiro dos Diálogos sobre Jesus, promovidos pelo Centro de Reflexão Cristã, em Lisboa, entre Novembro e Dezembro. A propósito do tema Jesus, Judeu da Palestina, Tolentino Mendonça acrescentava: "Dizer que Jesus é um judeu da Palestina é dizer o óbvio; não é um judeu da diáspora, mas um judeu palestinense."

Actualmente, existe uma "enorme biblioteca em torno de Jesus, judeu da Palestina". De tal modo que se fala, entre os exegetas bíblicos, da third quest, ou terceira vaga de estudos, que gira em torno do Jesus judaico. Mesmo se não abundam as fontes, historiadores, arqueólogos, sociólogos e exegetas têm-se debruçado sobre aspectos múltiplos do retrato de Jesus.

Também sobre o judaísmo contemporâneo de Jesus não abundam as fontes: "Há muitos elementos sobre o judaísmo reconstruído da Academia de Jâmnia, mas não sobre o judaísmo do tempo de Jesus". O mesmo fenómeno, nota o biblista, dá-se com outros textos da cultura ocidental, como a Odisseia e outros clássicos - as versões mais antigas que existem são medievais).

"Não há razão para os historiadores do tempo falarem" de Jesus, dizia Alain Hayat, reitor da Sinagoga de Lisboa, no primeiro dos Diálogos. Para este responsável judaico, "Jesus ganha pertinência depois da morte".

A exegese bíblica adopta, por isso, o critério da plausibilidade, da tentativa de perceber, no cruzamento de fontes e interpretações, o que pode fazer sentido ou não. Mesmo assim, Jesus permanece "inacessível", diz Tolentino Mendonça. À imagem do Noli me tangere (Não me detenhas), a cena após a ressurreição tantas vezes pintada ao longo dos séculos, Jesus escapa-se mesmo ao entendimento dos mais próximos.

É através do critério da plausibilidade que surge o argumento da autoridade de Jesus: esta vem "pela meditação que se faz da figura de Jesus e acaba por se fundamentar na reivindicação, não explícita, que Jesus faz de ser filho de Deus".

A fractura do messianismo
entre cristãos e judeus
Apesar da fé judaica em que Jesus cresce e vive, o tema hoje "mais polémico e fracturante entre judaísmo e cristianismo é o messianismo de Jesus", comentava João Lourenço, frade franciscano e também investigador da Bíblia. No seminário As Bibliotecas de Deus, que está a decorrer na Universidade Católica até Janeiro (ver texto nesta página), este especialista na Bíblia citava um dos pormenores do conflito inicial entre judeus e cristãos, no final do primeiro século: após a assembleia de Jâmnia, que reformou o judaísmo após a destruição do Templo de Jerusalém no ano 70, uma das bênçãos judaicas que se acrescentou foi a de que quem confessasse o messianismo de Jesus não poderia entrar nas sinagogas.

De tal modo esse tema é central e máximo divisor comum entre cristãos e judeus que o então cardeal Joseph Ratzinger estabelecia, em 1997, uma relação entre a espera judaica do Messias e a espera cristã na segunda vinda de Jesus. Afirmava o actual Papa na Academia das Ciências Morais e Políticas de Paris: [Na fé de Israel, são essenciais a Torá e, por outro lado] o olhar de esperança, a espera do Messias - a espera, isto é, a certeza de que o próprio Deus entrará nesta história e realizará a justiça, à qual apenas podemos avizinhar-nos de formas muito imperfeitas. Também a Igreja "espera" o Messias, que já conhece e à qual, antes de mais, ele manifestará a sua glória.

Para fazer a aproximação ao judaísmo do tempo de Jesus, refere Tolentino Mendonça, é preciso entender a pluralidade religiosa da época. Havia "um judaísmo em crise, não unitário" nem "monolítico". Basta pensar nos grupos que existiam e correspondiam a diferentes perspectivas do judaísmo. Entre os principais, estavam os saduceus, "abertos a compromissos com os romanos para conservar privilégios", os fariseus que faziam a lei e defendiam um "nacionalismo forte" e os essénios de Qumran, que viviam "à margem" e tinham uma "concepção mística da vida".

Na sua relação com o corpo social e religioso envolvente, a perseguição que Jesus sofre também "não é inédita". Era "comum" os profetas judeus serem perseguidos e acabarem mal. Mas a sua morte como um excluído torna esse momento "fundacional" para a identidade cristã, na opinião de alguns dos mais importantes autores da última vaga - E.P. Sanders, John Dominic Crossan, John Meier e Geza Vermes. Esse será mesmo o mote para a teologia de Paulo: o importante é a morte de Jesus na cruz. E será um aspecto fundamental na construção da identidade cristã.

2 comentários:

  1. Tudo o que vai contra o poder instituído acaba mal. Jesus tornava-se perigoso a todos os que detinham algum poder, fossem eles saduceus, fariseus ou essénios, e que contavam com a permissividade dos Romanos. Perigoso porque pregava o amor, até pelo inimigo; perigoso porque menosprezava as riquezas, acreditando e agindo de acordo com a possibilidade de uma sociedade justa e equitativa com mero recurso à fraternidade. Esse é o único e verdadeiro espírito cristão.
    Quando os romanos permitiram o cristianismo, fizeram-no de forma a agradar a todos, englobando nele tudo o que fossem rituais, a gosto da população (rituais pagãos, como as procissões) e a grado dos poderosos que assim poderiam dar continuidade às suas vaidades superiores (paramentos, riquezas inúteis). O a noção básica do cristianismo perdeu-se por aí. Surgem as interpretações bíblicas, a gosto de quem as faz, quando Jesus não deixou nada escrito e não disse mais do que a simplicidade de: faz aos outros o que gostarias que te fizessem (transformação livre de: ama aos outros como a ti mesmo). E amar um ser “inferior” era (e é) algo de revolucionário, portanto, perigoso.
    Tudo o mais me parece uma folclórica forma de manutenção de elites que se consideram acima da humanidade, a quem dão a esmola das suas palavras, pensamento e divagações.

    Não me parece importante porque e como morreu mas como e para o que viveu.

    Mas isto sou eu que digo, e tenho mau feitio.

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  2. Excelente comentário. Tb eu tenho mau feitio. Abraço caro anónimo

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