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quinta-feira, julho 20, 2006

Rosa Casaco: o pide que gostava de cultura

Em Fevereiro de 1998 encontrei-me com Rosa Casaco em Zafra, Espanha, juntamente com José Pedro Castanheira, meu colega no Expresso.

O José Pedro tinha conseguido encontrar o ex-agente da polícia política e convenceu-o a deixar-se entrevistar.
A dúvida estava em saber se Casaco se deixaria fotografar.
Acabei por ir ter com eles a Espanha, à Pousada de Zafra onde cheguei noite dentro, depois de ter fechado o Expresso.

De manhã cedo apareço na sala dos pequenos – almoços, onde o encontro entre eles já estava a decorrer.
Sou apresentado a Casaco e disparo:” Muito gosto em conhecê-lo, aprecio muito as suas fotografias do livro Salazar na Intimidade. Você é um grande fotógrafo!”. Rosa Casaco ficou muito sensibilizado com as minhas palavras.
Eu estava ainda sem máquina, para não o assustar, mas no final do pequeno - almoço já tinha aceite ser fotografado durante a entrevista.
Disse-me que não queria que a sua cara fosse muito visível:” fotografe-me com essa luz da janela, tipo Rembrandt”. Depois olhou para a máquina e começou a perguntar coisas técnicas, a objectiva que eu usava, filmes… “Eu agora fotografo em grande formato para poder fazer ampliações grandes!”- confessou-me.

Ele era o fotógrafo oficial de Salazar mas as suas fotografias de paisagens e de gente do povo, num estilo neo-realista de direita, eram premiadas nos salões fotográficos dos anos 40-50. Eram imagens paternalistas de forte inspiração pictórica.

Agora ali em Zafra, findo o salazarismo e o 25 de Abril já a não sentir-se bem, Rosa Casaco parecia o Sherlock Holmes. Vestido à inglesa, boina axadrezada, e cachimbo sempre a fumegar. Era nitidamente um vaidoso, muito educado de gosto refinado. Um charmoso que aprendera nos salões do poder uma postura aristocrática, apesar de só ter comido o primeiro bife aos 19 anos de idade.

Antes do almoço já se deixava fotografar a passear nas estreitas ruas de Zafra. Pediu-me a Leica e começou a fotografar-me e ao José Pedro Castanheira.
Gabou o meu BMW 320i ( “ que bela máquina aqui tem!”). Era um apreciador de carros e tinha fugido do 25 de Abril num Lancia Fluvia GT.

No restaurante falou-me de vinhos, charutos e ao ver-me apagar um Partágas não deixou de me repreender:” amigo, um charuto não se apaga, deixa-se que ele se apague por si”.
No final do almoço, que acabara tarde, disse-lhe:” Rosa Casaco estas fotos são muito bonitas mas fotos boas eram consigo à entrada de Portugal”.
Para surpresa minha ele propôs irmos até à fronteira de Badajoz. O José Pedro castanheira ficou embasbacado. Ao chegarmos à fronteira, com o Sol já a pôr-se, Rosa Casaco saiu do carro do familiar que o transportava, entrou no meu, e propõs um chá na Pousada de Elvas.

Não queria acreditar: ia entrar em Portugal com Rosa Casaco, procurado pela polícia, sentado ao meu lado no meu carro!

“ Colega: sabe quantas nuances há de verde nesta paisagem ? Mais de duzentas ! Nós os fotógrafos sabemos apreciar a natureza, a luz, a cor.”- dizia-me olhando a paisagem alentejana.

Depois confidenciou-me que adorava ampliar fotografias ao som de Mozart e Beethoven. O chá na Pousada de Elvas decorreu em ambiente de grande conversa e no final diz-me: “ Luis: estas fotos aqui não dão nada, está de noite. Que tal amanhã frente à Torre de Belém ? Vai sozinho, só nós dois saberemos”.

No dia seguinte, de manhã, sábado, lá chegou. Deixou-se fotografar a comprar castanhas, a fumar cachimbo, a andar para lá e para cá. Recusou irmos à António Maria Cardoso, frente à ex-sede da PIDE. “ Isso não. Parece provocação”- justificou.

Na despedida estendeu-me a mão :” cumprimente-me à vontade pois pode ter a certeza que está a apertar a mão a um homem honrado!”.


Depois da entrevista sair, Rosa Casaco escreveu que tinha caído numa cilada e que eu o tinha enganado com falinhas mansas. Ficou-me a detestar.

Pela minha parte sempre achei a sua reacção injusta.
Nunca escondi que aquela figura me tinha fascinado.
Um pide que chefiou uma operação secreta para matar Delgado, contrariado, que achava uma estupidez o regime fazer um mártir de um oposicionista descredibilizado, para satisfazer as ideias vingativas de Silva Pais contra Salazar, e que gostava de música, charutos, carros desportivos e fotografia, era um personagem de filme.
Nesse sentido, Casaco era a personagem fascinante de um filme que falta fazer.

3 comentários:

  1. Exacto era um personagem apaixonante de um filme que falta fazer mas desilude-me bastante quando se esqueçe das pessoas que matou , das pessoas a quem torturou, das pessoas e familias que ez sofrer.
    Já agora não quer dar uma medalha a Rosa Casaco por feitos à Nação ?
    Ouve-se cada uma neste Pais.

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  2. Tenía un aire a lo Fernando Rey.....

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  3. Los espía españoles, más modestos en materia de carros: seat 600, seat fura, seat ronda......

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