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quinta-feira, janeiro 07, 2010

Deixar de ser médico e fugir com a amante

O meu amigo António Pedro Ferreira inaugura amanhã a sua exposição "Segunda Escolha" na sede da Kameraphoto em Lisboa. Tive a honra de lhe escrever o texto de apresentação que se segue.

Todos amanhã às 18,30 ver as suas fotografias sobre os emigrantes portugueses em Paris na década de oitenta.

O que leva um médico recém-nascido a abandonar o berço da Pátria e a refugiar-se em Paris na Casa de Portugal? A desilusão de um país adiado, o engano na escolha do canudo, ou a coragem de finalmente poder fugir com a amante? Está ultima hipóteses é a mais considerada em círculos próximos e amigos do António Pedro Ferreira, o Tó-Pê.

Esta fuga reporta a 1982 e estende-se até 84, o período sabático que esse jovem médico com a cabeça na fotografia permaneceu em Paris, atrás de emigrantes portugueses à procura de um conjunto de imagens que pudesse testemunhar e entender socialmente os seus conterrâneos. A aventura foi possível graças a uma parca bolsa da Secretaria de Estado da Cultura, ao apoio de amigos que então estudavam em Paris e, sobretudo, a um impulso próprio dos apaixonados, uma urgência em pegar na Leica M4 e ir em busca de uma história, de um testemunho.

Foram meses intensos. A Agência Magnum fazia a supervisão do trabalho para apresentar ao promotor da bolsa e era o ciumento Jimmy Fox que recebia o Tó-Pê todos os meses e o aconselhava no ensaio fotográfico. Nunca um fotógrafo português tinha tido esta possibilidade de poder estagiar na mais mítica agência de fotojornalismo.

Depois das idas à Magnum, com todo o ritual que isso representa (imagine-se o que representa para um fotógrafo como o António Pedro Ferreira poder ver o Henri Cartier-Bresson mesmo que ao longe!) os dias eram longos e dedicados. Milhares de fotografias em bairros como St. Denis ou Gentilly em festas, casamentos, momentos de ócio, trabalho. Contactos, amizades, íntimismo, cumplicidades.

As noites eram para o laboratório de fotografia improvisado, uma arrecadação com água corrente na residência universitária onde pernoitava.

O que é notável nestas fotografias do António Pedro é que elas marcam o início de uma nova atitude no fotojornalismo português. Estávamos perante um jovem que queria intervir na sociedade, testemunhando, convergindo com uma preocupação inabalável de produzir fotografias com referências. Fotografia pura e dura. Daí a Magnum e o aval de qualidade que sempre atestou.

Se o poema de Manuel Alegre sobre a emigração em França nos comove, o filme O Salto nos envolve, ou se as cantigas de José Mário Branco nos embalam para um tempo a preto-e-branco, as fotografias do António Pedro são o somatório de tudo isto na síntese perfeita do instante decisivo.

Tive a felicidade de ter podido compartilhar com o meu amigo alguns dias nesse distante ano de 1983. Lembro-me de um baile em St. Germain-dés-Prés e de um jantar festivo numa colectividade nos arredores de Paris. Eram tempos simples, austeros, mas de uma esperança infinita que nos foi traída.

Luiz Carvalho

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