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quinta-feira, fevereiro 01, 2007

Crónica fotográfica

O Chique e o choque fotográfico


Um familiar meu detesta tecnologia, Internet e tudo o que lhe possa andar associado. Continua a fotografar com a sua máquina de filme, uma Canon dos anos 70, e nem as minhas inúmeras tentativas para o convencer a comprar uma digital o demovem.
Mas há dias ao jantar eu não queria acreditar no que via. Toca o telemóvel, ele pega naquilo numa posição que não é habitual, de braço estendido e a olhar para o visor e começa a falar como se estivesse no Iraque a fazer um directo, no estilo Carlos Fino, por videofone. A cena familiar – mas pouco - acabou com um comentário depois de desligar: «Estava a falar por videochamada com o meu filho que está de férias no Algarve !»
Fiquei atónito. Ali à minha frente acabava de assistir a uma verdadeira revolução cultural, diria mesmo a um comportamento civilizacional impensável de imaginar há 5 anos.
Depois do choque tecnológico do engenheiro Sócrates, aí está o chique tecnológico!…
Na verdade, é impossível ignorarmos que já ninguém vive sem comunicar numa linguagem multimedia. Isto arrasta uma questão para os fotojornalistas: Como vai sobreviver a fotografia de imprensa a este choque?
O mundo mudou demasiado depressa.
A fotografia, que era uma arte inacessível mesmo quando não era arte, caiu na rua. O povo apropriou-se dela. Por conseguinte o fotojornalismo mudou como o mundo.
As fotografias de amadores feitas em cima dos momentos mais dramáticos tornaram-se documentos históricos. Passaram a invadir os jornais, a Internet, a televisão. O 11 de Setembro teve aqui um papel histórico, repetido em Madrid no 11 de Março, no Tsumani, e nos ataques terroristas de Londres.
Em Inglaterra um esperto criou uma agência de fotografia feita com telemóvel, o ex-candidato republicano Al Gore fundou um canal de televisão feito por espectadores com as suas câmaras domésticas, os blogs invadem a net com imagens de toda a espécie.
Numa entrevista ao jornal «Le Monde», de 7 de Outubro, Cristian Caujole, director da agência Viva e ex-responsável pela fotografia no «Libération», dizia que esta nova realidade não substituía o fotojornalismo tradicional. Para ele a chave da sobrevivência do fotojornalismo estava na própria imprensa e, segundo ele, as revistas e jornais de referência no mundo – à excepção do «Paris Match» – perderam uma linha editorial que permitia valorizar as imagens. Para ele o que conta é a edição que se faz de um trabalho fotográfico. Quando a «Life» publicou dezenas de retratos «photomaton» de soldados mortos no Vietname, transformou imagens banais num discurso gráfico de grande dramatismo.
As fotografias atiradas sem critério para uma página, com o intuito imediato de preencher um espaço vazio ou de decorar um texto, não podem por si criar uma empatia com o leitor.
Dos milhares de fotografias que vemos durante uma semana quantas retemos?
Com sorte, e boa memória, talvez uma.
No dia em que escrevo esta crónica uma frase da TMN deixava-me perplexo: «Gostamos de fotografias tremidas porque adoramos a vida!»
A frase fotograficamente incorrecta é um tremendo abanão.

Luiz Carvalho, Outubro de 2005

10 comentários:

  1. Sobre detestar as novas tecnologias, acho que, muitas vezes, o problema tem que ver com alguma resistência em aprender e se adaptar aos novos tempos.
    Não resisto a contar um pequeno episódio, há cerca de três anos:
    Enquanto exerci funções que me obrigaram a percorrer o país, estive duas semanas em São Miguel e dei comigo, a meio da noite, a fazer um pagamento através do computador, pelo caixadirecta.cgd, no meio do oceano atlântico.
    Tendo pedido que me fosse respondido em suporte digital a certo tipo de informação, foram-se entregues duas disquetes.
    Eu fiquei admirado, porque a informação se resumia duas páginas em Word.
    Tendo perguntado por que me estavam a dar duas disquetes, foi-me respondido que eram duas páginas e como chegou ao fim da primeira página teve que pôr outra disquete para a segunda página.
    Acho que este tipo merecia um louvor, já que, como não sabia, inventou, porque, sobretudo, quis resolver um problema.
    Se me contassem não acreditava, mas, como isto foi comigo, acredito.

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  2. Mas ainda contituo a pensar que uma qualquer câmara num local qualquer e na mão de qualquer pessoa pode não servir para cumprir eficazmente o que faria um fotojornalista nas mesmas condições.
    De facto cada cidadão é um potencial reporter mas, nem todos o sabem fazer com arte, com saber e sobretudo com o faro e a intuição que um profissional soube desenvolver ao longo da sua vida.
    Quanto à TMN não é mais que um aproveitamento comercial do que a maioria dos utilizadores de telemóveis fazem: fotografias tremidas. Não porque querem mas porque não sabem fazer melhor. E a TMN sabe que tem de valorizar os seus clientes...
    (Parece um pouco o que se passa na formação da fotografia em Portugal em determinadas escolas: promovem-se os menos maus. E faz-se da mediocridade o melhor que temos por cá.)

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  3. A Samsung já lançou um telemóvel com uma câmera de 10 MB (basicamente é uma máquina fotográfica que dá para telefonar) pelo que a questão da qualidade das imagens vai acabar por se esbater com o tempo.

    O que sempre fez e faz a diferença é o homem por detrás das máquina e, se para situações limites como os atentados em Londres, estes cidadãos-repórteres podem fazer a diferença, nas situações do dia-a-dia nunca o farão.

    O fotojornalista vai ter que se adaptar à nova realidade, mas não acredito que esteja em risco de extinção, como algumas vozes anunciaram.

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  4. concordo com o luís. todos sabemos escrever mas só alguns são escritores, não é? a propósito deste tema, sugiro esta tira. acho que resume bem o espírito da coisa.

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  5. Na actual sociedade de consumo em que vivemos, com o permanente bombardeamento de definição de status pelo que se possui e com a rapidez da evolução tecnológica, a tentação de se ser foto repórter ou vídeo repórter é enorme e muitos caiem nela.
    Também, diga-se, pela identificação com os “novos heróis do quarto poder” e, igualmente, fruto da competição desenfreada existente, pela ânsia de se ser o “primeiro”, seja em que campo for.
    Com a evolução e diversificação dos produtos lançados pelas empresas, estou em crer que esta “moda” em breve cairá em desuso, que o público se virará para outras actividades e que a comunicação e os seus fazedores acabarão por recuperar a sua credibilidade e estabilidade, mantendo-se o verdadeiro profissional e o verdadeiro amador (no sentido de amante ou aquele que ama) na frente da corrida.

    Nota: “Câmara” de vídeo, “Câmara” de filmar e “Máquina” fotográfica????

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  6. O papel da imagem fixa na imprensa já está a mudar, e como sempre são as considerações económicas que ditam o futuro. O fotógrafo solitário vai sempre existir, mas não sei se no jornalismo será assim, pode apenas existir no campo dos "artistas".

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  7. Uma imagem tremida é, à partida, algo «fotograficamente incorrecto»?
    (não me refiro especificamente às «fotos» tiradas com telemóvel).

    E os «buracos» brancos que aparecem nas zonas de altas luzes, nas fotos digitais, por melhor que seja a câmara?

    Como fotógrafo, acha que a película está obsoleta?

    Espero não o aborrecer com estas perguntas, mas como é jornalista, suponho que compreenda a minha curiosidade.

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  8. Uma imagem tremida é, à partida, algo «fotograficamente incorrecto»?
    (não me refiro especificamente às «fotos» tiradas com telemóvel).

    E os «buracos» brancos que aparecem nas zonas de altas luzes, nas fotos digitais, por melhor que seja a câmara?

    Como fotógrafo, acha que a película está obsoleta?

    Espero não o aborrecer com estas perguntas, mas como é jornalista, suponho que compreenda a minha curiosidade.

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  9. O filme e o sensor digital são tecnologias ou religiões ?

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  10. fotografia é uma técnica. Filme ou digital é uma discussão inútil. Servem a propósitos distintos. O que a modernidade traz com velocidade normalmente é lentamente digerido pelos homens. Mas o fotojornlismo não sofrerá nenhum problema com as novas tecnologias. Não sofreu com a cor, com o autofoco, com as grandes e luminosas objetivas. Não é o instrumento que faz o hábito. Pelo menos não no caso dos bons profissionais. E quanto ao registro amador, ele sempre existiu e sempre existirá. Apenas está se tornando técnicamente melhor. o problema todo é que quem escolhe as fotos que serão publicadas cada vez menos entende de seu ofício que é dar ao leitor informação visual - no caso do fotojornalismo - de boa qualidade.

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