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segunda-feira, janeiro 22, 2007

Reuters despede fotógrafo mentiroso


A Reuters despediu o fotógrafo Adnan Hajj porque ele se atreveu a pôr

ainda mais negro o fumo que saía das casas bombardeadas no Líbano pela

aviação israelita, no passado mês de Agosto.

A manipulação começou por ser denunciada em inúmeros blogues até que a

agência decidiu investigar e chegou à conclusão que o seu fotógrafo de

há 10 anos no Médio Oriente, habituado a fotografar desporto, tinha metido a mão no "brushes" do photoshop, uma ferramenta que permite colonar pixels e fazer fotos tipo Ovelha Dolly.

O pecado do fotógrafo foi o de ter despoletado o milagre da multiplicação dos pixels dando a entender de uma forma grosseira que os efeitos dos bombardeamentos eram ainda mais devastadores.Onde de via ter posto filtro, pôs "brush", a mentira veio ao de cima.

Não é a primeira vez, nem será a última, que um fotógrafo é acusado de manipular uma fotografia.

Tem dado muitas vezes despedimento mas também dá uma discussão estimulante.

Na verdade, poucas são as vezes que um fotógrafo não manipula.

Fotografar não é um acto neutro, purificado pela santíssima ética. O acto de fotografar implica fazer escolhas, tomar partido, assumir uma

atitude estética e ética.O que não impede de se ser sério, claro.

Uma fotografia é o resultado de uma série de decisões.

O fotógrafo começa por escolher o melhor sitio para captar a acção. Esse posicionamento define logo a escolha do ponto de vista que ele acha mais adequado.

O fotógrafo vai escolher o enquadramento e com isso eliminar elementos

da acção e valorizar outros. Se o enquadramento for horizontal terá um

efeito muito diferente se for vertical. A escolha entre cor e preto e

branco também irá determinar a intenção final.

Mas o que irá influir definitivamente será o instante em que o fotógrafo decidir disparar. Aí ele irá escolher se será esta ou aquela expressão, este ou aquele movimento.

Ora é a composição que ordenando o caos da realidade irá dar um sentido ao que é mostrado. O fotógrafo organiza dentro do enquadramento os elementos gráficos que coabitarão entre si, criando uma dialéctica que estruturará um discurso.

Impossível uma fotografia ser imparcial.

Mas mesmo do ponto de vista técnico o tratamento dado na pós-produção a uma fotografia irá ter grande influência na intenção de mostrar.

Se optarmos por contrastar a imagem será um efeito, se respeitarmos as

tonalidades da realidade será outro, mas nunca em circunstância alguma

a fotografia será uma reprodução fiel e verdadeira da luz da realidade.

Vários sensores de várias máquinas reagem de diferentes formas nas mesmas circunstâncias, tal como os filmes reagem conforme a

sensibilidade, a hora do dia, a temperatura de cor, o grão, o tipo de

revelação.

Mesmo as diferentes maneiras de medir a luz pode provocar fotografias

diferentes.

Felizmente que não há duas fotografias iguais. Se assim não fosse eu

não teria sido fotógrafo. Claro que quanto mais talento um fotógrafo

tiver para poder conjugar e dominar todas estas técnicas assim poderá

melhor dar a ver a sua visão sobre o Mundo e o que o rodeia.

A discussão de que hoje o digital permite manipular facilmente uma

fotografia tornando o fotojornalismo menos credível parece-me uma afirmação gratuita.

A verdade é que no passado já havia espertos que apagavam daqui e acrescentavam ali, coisas que as fotografias originais não tinham.

A manipulação não passa só pelo truque técnico passa também pela

criação de cenas encenadas que depois passam por reais.

No fotojornalismo isso é fraude e o descrédito total de quem assim pratica.

Há fotografias que fizeram História como a do soldado republicano a ser morto em Cerro Muriano, na Guerra Civil Espanhola, feita pelo decano Robert Capa. Há quem diga que foi encenada. Já foi provado que não.

Mas a dúvida acaba sempre por persistir. Capa era demasiado corajoso

para o fazer, aliás morreu pisando uma mina por querer dar um ângulo

mais real de uma cena.

O fotógrafo do Los Angeles Times que decidiu juntar o melhor de duas

fotos para fazer uma perfeita, na Guerra do Iraque, também acabou

despedido. Mas foi a National Geographic que há uns anos teve de pedir

desculpa aos leitores porque tinha encurtado no photoshop a distância

entre as pirâmides para que elas pudessem caber na capa.

Tal como há um livro de estilo e um código de conduta para a escrita

também existe em muitos jornais de referencia, e em agências, um livro de estilo e de regras de conduta para fotografias e fotógrafos.

Uma das regras básicas é que uma fotografia não pode ser invertida,

recortada. Os elementos que compõem a imagem não podem ser retocados,

retirados ou acrescentados. As imagens não devem ser reenquadradas de

forma a alterarem o contexto em que foram tiradas.

Quando surgiu em 1947 a agência Magnum as fotografias traziam no verso um carimbo onde advertia os editores para o facto de aquelas

fotos não poderem ser reenquadradas, nem publicadas fora do contexto da legenda.

Alguém disse que a credibilidade é como a virgindade: só se perde uma vez.

No jornalismo este princípio assenta na perfeição. Não podemos usar a tecnologia para mentirmos ou manipularmos a informação. Quanto mais trabalharmos uma imagem tornando-a mais irreal, menos os leitores acreditarão em nós. " Se eles manipulam em coisas tão pequenas o que farão nas grandes!".

Nós jornalistas temos como missão contar a verdade.

Este é o bem mais precioso que teremos de assegurar perante os leitores.

Luiz Carvalho

( também em www.expresso.pt)

3 comentários:

  1. adnan hajj, foi despedido como fotógrafo, mas também o teria sido como operador de photoshop... mas que coisa tão mal feita! até se vêm as repetições do carimbo...

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  2. adnan hajj, foi despedido como fotógrafo, mas também o teria sido como operador de photoshop... mas que coisa tão mal feita! até se vêm as repetições do carimbo...

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  3. não foi a primeira nem última vez que se manipulou uma foto. e isso sem contar as fotos armadas para parecerem o que não são.

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