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terça-feira, janeiro 16, 2007

O adeus à India

Foto de Henri Cartier-Bresson. India 1947.


O dia começou demasiado cedo.

Bombaim vista ao nascer do Sol através da janela do autocarro a caminho do aeroporto é uma cidade serena.

Num longo travelling ( o movimento do cinema onde a câmera anda num olhar subjectivo) vejo o acordar de uma das cidades do Mundo mais barulhentas, poluídas, engarrafadas. Pela fresca sente-se que há ali pouca gente que em poucos minutos se tornará numa agitação de seres em busca de sobreviver.

Hoje não vi as dezenas, centenas, de indigentes que há 15 anos dormiam pelos passeios, crianças miseráveis e mutiladas. E que entre esses, alguns já não acordariam sendo recolhidas pela carroça dos mortos.

Para quem conheceu agora a Índia a pobreza choca, mas quem esteve há anos reconhece que houve uma evolução social gratificante.
O crescimento económico arrasta consigo a subida dos padrões de vida, dirão os economistas.

Mas ao ver Bombaim da janela do autocarro não pude deixar de lembrar as fotografias de Raghu Rai um dos fotojornalistas mais proeminentes da Agência fotográfica Magnum. As suas fotografias da Índia são de uma dimensão transcendente.

Ele fotografa a tradição, a paisagem, as gentes e os seus credos como o faria um músico através de uma sinfonia. Ora calma, serena, doce, de largos acordes paisagísticos, ora violenta na dor, na tristeza que a pobreza comporta.

Ainda disparo pela janela, não para fazer imagens fotográficas, mas para poder ter como auxiliar da memória aquilo que os meus olhos vêem e sentem, mas que naquelas circunstâncias a máquina fotográfica não consegue captar. Falta enquadramento, apuro técnico, tempo. Tempo é, aliás, aquilo que mais falta numa viagem destas.

Para se ter uma hora disponível para fotografar são necessárias horas de espera, tralha às costas, vencer burocracias. O que resta é para seguir o programa oficial, se fugirmos um pouco ao marcado podemos sempre falhar um pormenor importante.

Quando fotografo em ambientes envolventes uso um pouco a técnica dos actores: concentro-me numa ideia, numa música, num fotógrafo de referência. Muitas vezes esta técnica permite-me seguir um guião.

Esta viagem, que amanhã chega ao fim, deixou-me uma imensa frustração, partilhada pelos outros jornalistas enviados. A pior coisa para um repórter é olhar e não ver. Aqui só tivemos tempo para olhar e para tirarmos conclusões porventura demasiado precipitadas.

Nova Deli e a velha Deli, o Lamborghini amarelo à porta do hotel, os pobres à volta da mesquita, as freiras cantando vivas a Cavaco e rindo de excitação por aquele momento, os nacionalistas hindus de Goa e o seu carácter, as praias de Goa, as igrejas e o retrato tão fundo e tão português, Bombaim e a sua extensão, a diversidade cultural, a tranquilidade indiana, a lentidão, o progresso das novas recnologias, os cérebros indianos, o futuro, o trabalho sem regras, a Índia fica como um convite a voltar e conhecer melhor o gigante que desperta.

Tudo vai mudar com a chegada aqui da globalização. Essa análise será para os jornalistas da escrita.

Por mim o que gostava era de recuperar o tempo e voltar não à Índia da miséria extrema e da vergonha, nem do progresso selvagem, basta-me a Índia mítica do Raghu Rai ou as mulheres de costas olhando o Ganges numa das fotos mais emblemáticas de Henri Cartier-Bresson.

Amanhã Lisboa.

2 comentários:

  1. As freiras a cantarem vivas a Cavaco... ça fait rêver: dava uma foto extraordinária para "The Braganza Mothers" :-)

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  2. Caro Luis,

    Os editores do Jornalismo e Comunicação estão impedidos de publicar ou alterar qualquer post desde o dia 27 de Dezembro de 2006 (nem mesmo nos foi possível deixar um aviso na caixa de comentários do último texto).
    Apesar dos inúmeros contactos já tentados com a equipa de gestão da Blogger não nos foi possível resolver o problema.

    Depois de alguma hesitação / ponderação (e depois de termos guardado os arquivos de quase 5 anos num espaço seguro) mudamos o blog para o Wordpress.

    O endereço - http://www.mediascopio.wordpress.com - está até mais próximo de reflectir a realidade presente do grupo.

    Pedimos desculpa pela ausência, pedimos desculpa pelo abuso de enviar esta mensagem (redobrado se, por engano, ela chegar mais do que uma vez...) e, por último, pelo incómodo de pedir a alteração da referência na listagem.

    Esperamos ter agora dias mais tranquilos.
    E receber bem quem nos visita.

    Cumprimentos,

    luis santos
    p/ J&C

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