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terça-feira, março 31, 2009

Portugal, capital do móvel e o Ikea


Quando era adolescente sonhava com um país moderno, o contrário daquele em que Marcelo Caetano falava em família e colava cartazes na Avenida de Roma a dizerem "Moçambique: Praias de Sol, Praias de Sonho" ou outro:" Droga, loucura, morte!".

Para mim um país moderno era uma sociedade como aquela que era descrita no livro "O Prémio", um romance medíocre, mas que para mim me relatava um tipo de vida inatingível: democracia, liberdade de expressão, libertação dos costumes e dos comportamentos. Sonhava com uma sociedade culta e igualitária, competente, sem preconceitos, uma sociedade de amor livre sem barreiras, sem as amarras do casamento tradicional, sem a opressão da religião. Uma sociedade com regalias e trabalho, com justiça e disciplina, com respeito pelos velhos e com uma preocupação muito especial nas crianças e na educação.

Era a social-democracia. Um sistema onde havia um nivelamento por cima, não demasiadas clivagens sociais, e uma parcimónia entre ordenados mais baixos e mais altos. Uma sociedade de famílias felizes dentro de carrinhas Volvo, de solteirões felizes, com um cinema de arte, onde o Bergman era o arquétipo e Sven Nikvist o director de fotografia, que transformava a vida num preto-e-branco denso, fabricado com a luz natural, a que Deus nos dá.
Podia acrescentar a isto uma banda sonora de jazz, tão vibrante como aquela sequência matinal no filme Cenas da Vida Conjugal.

O que menos queria era um país ordinário e mesquinho, de novos-ricos e de gente trabalhadora à beira do limiar da pobreza. É o país das rotundas e da capital do móvel!!

De gestores que andaram anos a jogar em casinos da alta finança, de carreiristas, de gente sem brio nem sentido profissional. Nunca imaginei um país de políticos sem missão, nem ideologia, nem modelo. Nunca pensei que a democracia fosse apenas e só a legitimação nas urnas do oportunismo e da corrupção.

Portanto: chegado aqui, em Abril, passados não sei quantos anos sobre uma revolução que foi uma ópera bufa total, a desilusão é evidente.
Ao entrar no IKEA reencontro sempre parte desse meu sonho de adolescente. Bom gosto, racionalidade, economia de meios, sentido de serviço ao cidadão, preços decentes, serenidade, cultura de empresa. Um modo de vida.

Não é por acaso que é uma das empresas que está a passar ao lado da crise. Tem um patrão forte e que não alinhou em engenharias financeiras para crescer. Apostou no trabalho, na qualidade.
A fortuna não lhe subiu à cabeça. Anda de autocarro, dorme em residenciais, e acompanha tudo a par e passo na empresa. As empresas são como os países e vice-versa. Não acham?

domingo, março 29, 2009

Marcelo Caetano regressa pela pena de Manuela Goucha Soares


"Marcello Caetano – O Homem que Perdeu a Fé”, uma biografia assinada por Manuela Goucha Soares e editada pela Esfera dos Livros, será apresentada no dia 31 de Março (próxima terça-feira) na Sala de Convívio da Sociedade Portuguesa de Geografia, em Lisboa.
A apresentação do livro, que terá lugar às 18h30, estará a cargo do ministro da Defesa, Nuno Severiano Teixeira.

sábado, março 28, 2009

Portugal adiante uma hora em anos de atraso

Caír em desgraça é pior do que ser desgraçado. E Sócrates cai desgraçadamente sendo um homem de sorte. Parece mesmo ter sete vidas políticas, resistindo ao pior: da crise original portuguesa, à crise global que se sobrepôs à residual do país. Safa-se airosamente dos projectos de pato bravo, e apresenta uma licenciatura em engenharia, passada a um domingo, e autenticada por uma faculdade tão prestigiada que até o próprio acabou por a mandar encerrar.

Sócrates sobreviveu às primeiras investidas do Caso Freeport em plena campanha eleitoral, e às avalanches quase diárias sobre o assunto. Um tema que mete familiares, um tio a tratá-lo por Zézito e ele a chamar um primo como "o filho do meu tio".

Ontem a passagem na TVI de uma gravação aúdio, supostamente feita clandestinamente por um administrador do Freeport, em que dois protagonistas no processo fazem considerações gravíssimas, envolvendo Sócrates, voltou a trazer ao país mais uma sensação desconfortável. Quando um primeiro-ministro é assim atacado é a estabilidade que está em causa. E nesta altura é muito mau.

A confusão é total e parece que estamos no PREC. Minuto a minuto há uma actualização de acontecimentos que encadeiam: no mesmo dia aparece o Bastonário dos Advogados a dizer que o processo começou com um cambalacho entre PJ, jornalistas e oposição. É verdade, são factos assinalados pelo tribunal. Factos que toda a gente fez de conta que não eram graves,
Marinho Pinto comentava a forma como o processo arrancou, não o conteúdo.

Minutos depois passava a gravação acusadora na TVI, noutro canal de TV aparecia um sindicalista magistrado a dizer que havia pressões sobre os investigadores do caso Freeport.

À mesma hora Sócrates atrasava o início de uma ópera no CCB em meia-hora e levava uma pateada monumental da assistência, num remake da entrada de Marcelo num jogo do Sporting, dias antes de caír o regime...de pôdre.

Horas antes era a sua protegida ministra da educação atingida com uns ovos em forma de protesto.

Para um país desnorteado, fragilizado pela crise financeira e económica, um país onde um relatório oficial divulgava números assustadores sobre a criminalidade, na mesma semana em que a Quimonda fechou definitivamente e mais um batalhão de desempregados ensombra a paz social e a estabilidade familiar...não sabemos que mais acrescentar a este panorama.

Tudo o que Portugal menos precisava agora era de um primeiro-ministro fragilizado.
Portugal adiante hoje sessenta minutos, perdendo uma hora, mas os anos de atraso parecem, para já, irrecuperáveis.

(segunda versão)

sexta-feira, março 27, 2009

JÁ TEMOS PLAYBOY

Sai amanhã a Playboy portuguesa. Surpresa para mim as duas chamadas de primeira: Ana Anes e Nuno Saraiva, dois amigos. A foto a preto e branco é bonita mas confesso que não sei bem quem é a Rute Penedo e para a ficar a conhecer um pouco, mais ousadia seria de esperar.
Veremos o conteúdo amanhã.

Já se ouvem os tambores da violência social

Primeira do JN de hoje: justiça, criminalidade e violência social

Os números oficiais divulgados ontem sobre a segurança em Portugal são aterradores. Aumentaram de forma exponencial e cresceram em violência, organização e crueldade. Aqueles números do terror público deveriam ser agora trabalhados por sociólogos e permitirem assim um melhor retrato colectivo do país que somos e, porventura, naquilo em que nos vamos ainda tornar: numa sociedade frágil, inquieta, imprevista. Mais do já somos.
Por muito que o governo diga que arregimentou mais polícias, que vai ler digitalmente as matrículas dos carros com uns chipes incorporados como usam os nossos cães, por muito que a polícia faça de salteador de estrada, mandando parar automobilistas pacatos, a caminho dos poucos empregos existentes, em ratoeiras em forma de rotundas, o panorama da segurança está explosivo.

Claro que a violência social não se combate a montante mas a jusante, e não pode haver um polícia em cada esquina (embora já os haja em cada rotunda!). E, usando a teoria da esquerda, o melhor remédio é sempre a prevenção, mas quando caminhamos para uma taxa de desemprego acima dos 10 por cento, quando a maioria desses desempregados são imigrantes desesperados, quando as franjas urbanas cresceram desajustadamente, mais do que nos anos sessenta com os bairros de barracas, quando a justiça é impune, incompetente e gerida por leis cada vez mais permissivas...aí temos o vulcão social.

E só falamos da violência criminal porque a social já vem a caminho. Já se ouvem ao longe os tambores.

quinta-feira, março 26, 2009

AVELINO FERREIRA TORRES ILIBADO

o autarca parece que foi ilbado hoje em Tribunal. Relembremos a sua biografia.

terça-feira, março 24, 2009

O simplex-complex das Finanças de Cascais

A AVENTURA DE UM CIDADÃO NUMA REPARTIÇÃO SIMPLEX DE FINANÇAS

A minha aventura de hoje nas finanças de Cascais, e que eu relatei em directo ao longo da manhã no Twitter, mostra bem como a burocracia está longe de ser varrida no país.

Conto a história:

Em Setembro sou convocado às finanças porque não aceitaram um atestado do médico do meu filho para efeitos de deduções no IRS. Pediram-me um outro atestado, mas nunca me disseram que deveria ser passado pelo Delegado de Saúde de Cascais. Quando voltei com outro atestado do meu médico é que percebi o que era preciso. Só a 5 de Março é que consegui ser recebido por uma junta médica que se limitou a confirmar aquilo que estava escrito no atestado que eu apresentara logo em Setembro. A confirmação oficial do atestado foi dada passados 10 dias úteis: era pôr um carimbo e uma assinatura!

Com o atestado da junta médica assinado pelo Delegado de Saúde rumei às finanças. Tentei não perder uma manhã de trabalho. Nunca o consegui. Hoje decidi tirar a manhã para entregar o documento e assim recuperar o dinheiro retido da devolução do meu IRS.

Chego às 9:30 com 4o pessoas à frente. Vou tomar café e decido por intuição tirar outra senha que já ia em 72. Quando passadas duas horas sou atendido a funcionária exige o BI do meu filho e o cartão de contribuinte. Disse-lhe que não os tinha mas que as Finanças sabiam que o David era meu filho. Faz parte do agregado declarado, tem nº de contribuinte, tem segurança social, logo existe. Não. Tinha de mostrar o BI.
Volto a casa a correr, e como tinha a senha 72, ainda consigo ser atendido em cima do fecho da repartição ( fecha hora e meia para almoço!!) por outra funcionária que, aceita o documento, pergunta-me a idade do filho e entrega-me um papel em como está tudo resolvido." Então não quer o BI do meu filho?"-pergunto. "Não é preciso, disse-me a idade dele, confiei em si". Não queria acreditar. Dei-lhe os parabéns pelo seu desempenho como funcionária e apontei a colega como uma burocrata incompetente.

Podia ter feito queixa da burocrata mas de certeza que me ia chatear, e que teria como resposta que ela cumpriu o seu papel. Na volta ainda castigavam a segunda por facilitismo ou negligência.

Portanto, caro Sócrates: o simplex está na cabeçorra das pessoas. E é essa inovação de mentalidades que devíamos fazer. Mas isso também só se faz com escola, instrução, cultura e com gente que goste do que faz, e que seja compensada quando faz bem e penalizada quando faz mal. Este batalhão de funcionários públicos mal pagos, que gera uma mentalidade mesquinha e medíocre, ressabiados, fartos de atenderem milhares de cidadãos desgraçados, que têm de estender a mão para serem atendidos por um Estado que não respeita ninguém...dá em tudo isto. O país foi sempre isto, disfarçou uns tempos, agora com esta economia de guerra é que vão voltar ao de cimo o pior das pessoas e a desgraça das nossas instituições.

Entretanto ninguém sabe quando vou ter mesmo de volta o reembolso do meu IRS de 2007!

CROMOS DA LUTA (versão curta)

O LARAMPIÃO LUCILIO COM RUI COSTA


A PROVA

segunda-feira, março 23, 2009

CROMOS DA LUTA

Como este blogue não é da RTP este post não será retirado para agradar ao Cónego Melo Carvalho da Silva!!!

sexta-feira, março 20, 2009

RTP CEDE A CARVALHO DA SILVA, ARMADO EM CÓNEGO MELO


A decisão da RTP em retirar um anúncio inofensivo do ar, de publicidade à Antena 1, onde uma locutora (por sinal a voz daquela que escreveu uma bio de Sócrates) brinca com o facto de uma manifestação, ser contra um automobilista que vai trabalhar, é um acto de total estupidez.

A RTP criticada por Carvalho da Silva, que agora está a fazer o papel de Cónego Melo, e talvez pressionada pelo Poder (com medo de reacções sindicais) cedeu no elo mais fraco. Mas esta atitude demonstra como é frágil a independência da RTP. Há semanas com uma promo onde aparecia o ministro da tutela, o inefável Augusto Santos Silva, a estação tinha recuado depois do "patrão" se ter indignado com a repetição, em que ele confessava gostar de malhar na direita. Foi logo compensado com uma entrevistazinha.

Esta atitude está cheia do pior que pode ter uma estação de televisão ou um jornal: falta de coragem e de convicção e ceder perante moralismos bacocos ou estupidez censórica.
Este é o segundo "Pato com Laranja", o filme que o então João Palma-Ferreira, nos anos oitenta administrador da RTP, que ao ver em casa ao serão a comédia italiana "Pato com Laranja" ficou chocado com uma actriz em biquini e ligou para o Lumiar para o filme ser retirado do ar. Foi um apagão que durou longos minutos.

Já Carlos Pinto Coelho, director de programas da RTP, também cedeu e mandou retirar do ar o programa "Humor de Perdição", porque o Herman se metia com a Rainha Santa Isabel.

Dependente do Poder e refém de vários outros poderes, a RTP (paga por nós nos impostos e no recibo da EDP) mostra uma total falta de independência. Agora até já tem medo da CGTP !

quinta-feira, março 19, 2009

DE QUE RIEM ELES?

terça-feira, março 17, 2009

Os jornaleiros arautos da desgraça


Confesso que me começa a irritar solenemente as sistemáticas citações de artigos e linkes que querem provar (não se sabe bem a quem) que os jornais estão a chegar ao fim. É um pessimismo estúpido, um cair de braços, um apelo à rendição e à falta de ânimo.

Pagaram-se fortunas a gurus do jornalismo (alguns nem nunca chegaram a ser jornalistas) para espalharem num estilo de Igreja Maná e com uma fé de Opus Dei, de que os jornais ou arrepiavam caminho e enveredavam pela inspiração televisiva (ritmo, surpresa, noticias contadas por desenhos, côres, textos telegráficos, fotos encenadas) ou acabavam.

A verdade é que a indústria automóvel perdeu 50 por cento do mercado em 3 meses, mas os jornais têm vindo a perder leitores em queda lenta, ao longo de anos. A pub sobe na net mas não na razão inversa aos lucros perdidos e da audiência em queda assinalável, mas lenta e previsível, no papel. É a edição impressa que sustenta a internet e esta, por muita paixão que desperte e muitos cliques que permita, está muito longe de se auto-sustentar e mais: de ser um negócio seguro.

Portugal foi sempre um dos países mais fracos em leitura de jornais, estamos atrás da Grécia há muitos anos. E não replicamos a realidade da imprensa internacional. Os nossos jornais vendem pouco, mas na verdade nunca venderam muito mais. Há um público potencial que acorda quando há brindes ou quando há uma manchete excepcional. E há um público conservador e fiel.

O criador da mítica Wallpaper dizia na passada semana ao Expresso que o futuro dos jornais e das revistas está na excelência, na qualidade. Ninguém troca uma revista de papel aveludado, impressão vibrante, textos cativantes e fotos inesquecíveis por umas páginas na net que mudam, que são fugazes e superficiais. São meios diferentes, para tempos diferentes de utilização. É como trincar um tremoço ou saborear caviar. (!)

Isto tudo para dizer que acredito nos jornais e no futuro, embora os jornais tenham de oferecer excelência em tudo: impressão e grafismo, mas sobretudo nas histórias escritas e fotografadas por profissionais de excepção. Os leitores vão ao encontro de nomes, de referências, de quem possa atestar por si a qualidade impressa. O jornalismo aos jornalistas.

domingo, março 15, 2009

Dos Santos é fixe, Sócrates porreiro, a crise que se lixe

Há duas figuras políticas cujo branqueamento decorreu esta semana na maior das tranquilidades, na maior da lata. José Eduardo dos Santos e José Sócrates, puseram a imprensa, os fazedores de opinião, muitos políticos, a dizerem que afinal eles são uns políticos com qualidades notáveis e que os opositores não passam de forças negras.

Um é ditador há 30 anos mas, segundo o meu amigo Manuel Alegre, o Afonso Henriques também foi, ou citando Jorge Coelho " há corrupção em Angola mas em Portugal também". Portanto: siga a banda. Angola é uma esperança e um belo país e uma terra prometida. Percebe-se que ninguém queira ver o seu visto negado quando um destes dias quiser ir a Angola. Aliás, os vistos que os portugueses nunca conseguem não são negados, simplesmente retardados ao ponto de a viagem já não fazer sentido. Fala a experiência.

Sócrates desapareceu da bagunçada Freeport, aliás é um tema que morreu na imprensa.E aí está a ser gabado pelos seus 4 anos de ataques à classe média e justificado o seu fracasso governamental em todas as frentes, pela crise global, pela impaciência dos sindicatos, pelos mal dizentes habituais. Quem escrevia ontem contra ele, hoje já o perdoa, amanhã já o adolará.
É o líder político mais sortudo de sempre. O Poder verga os fracos, os necessitados, os que comem na manjedoura do orçamento, os pedinchas de fraque.

Eduardo dos Santos é a última esperança para um Portugal sem mercados internacionais. Empresários, técnicos, trolhas e outros, na hora de precisarem, prescindem da memória, aceitam as condições draconianas que Angola impõe nos negócios. Cede-se em princípios o que se ganha em valores materiais.
Sócrates, por cá, é aquele que ainda pode dar uma ajudinha para muitos que, na hora da crise, ainda esperam do Estado uma mão amiga, uma ajuda. A salvação. Já não é o mercado a funcionar, o pagamento do utilizador-pagador: os neo-liberais renderam-se ao socialismo, depois de terem delapidado heranças e mais-valias do trabalho (dos outros) em casinos. Os democratas, cansaram-se da luta, ficaram com Parkinson virtual e entregaram-se à ditadura da política real, dando razão aos renegados revisionistas.

Esta é verdadeira crise: a dos valores políticos, éticos e morais.

sexta-feira, março 13, 2009

ASSASSINARAM A COSTA DA CAPARICA

Alguém reconhece esta paisagem como a Costa da Caparica?

A Costa da Caparica tinha nos anos 50 um plano magnifico do arquitecto Cassiano Branco que nunca foi concretizado. Depois foi o que se sabe: um descalabro urbanístico que chegou aos nossos dias: clandestinos nas dunas e fora delas e uma urbanização miserável com toda a conotação dos desprezíveis anos sessenta e setenta.
Uma das zonas mais lindas de Portugal, excelente para turismo de qualidade e para ali se viver bem, está hoje perdida entre barracos, mastodontes e lixo.

Antes, a Costa tinha uma arquitectura popular inventada pelos pescadores que a tornava há décadas num "case study" com uma implementação de casas de madeira, ao longo da praia, que lhe dava um ar rural e popular.
A Cova do Vapor era uma aldeia de arquitectura tradicional portuguesa (eu fiz mesmo um trabalho para o meu curso de arquitectura sobre o fenómeno) e mesmo os restaurantes de praia ao longo da Costa eram peças muito inspiradas nessa arquitectura popular.
Mesmo degradada a Costa tinha até agora um charme, um encanto, uma escala de construção que a tornava acolhedora. Era uma arquitectura que não intimidava e que dialogava muito bem com o mar e com a vida à sua frente.
Claro que nos últimos anos tudo se degradou, porque quer a Câmara de Almada (que odeia a Costa porque não vota comunista), quer o Ministério do Ambiente e o Porto de Lisboa (penso que tem ali tutela) nunca se entenderam. Deixou de haver conservação.

Ora bem: chegou o projecto Pólis (aquele inventado por Sócrates enquanto ministro do ambiente) e varreu toda a memória da Costa. Destruiu tudo o que eram construções de madeira e implantou um projecto megalómano que não entende a integração no local e que custou uns milhões de massa ao contribuinte.

O que se vê hoje na Caparica são 27 pavilhões construídos ao longo do paredão, todos iguais, sem distinções, para albergarem 27 restaurantes. Os pavilhões são péssimos: as esplanadas pequenas e sem sombra, barulhentos porque são em vidro, mais altos do que o passeio criando uma divisão entre quem está e quem passa, são agressivos e nada têm a ver com o local. Uma merda.
Transformaram a Costa da Caparica numa espécie de feira do livro da avenida para maior e pior.
Uma tristeza.

Depois os acessos às praias são maus para os idosos e crianças, escadarias altas, rampas longas, sem acesso para deficientes e carros de bebé à areia, barreiras de betão armado ao longo do pontão, candeeiros gigantes, rotativos, sofisticados e com uma escala esmagadora, enfim: aquilo é tudo menos um projecto inteligente. É uma aberração, paga com o nosso dinheiro, um novo-riquismo à portuguesa que não acrescenta nada à Costa: só a descaracteriza.

Mataram a memória da Costa em troca de uns barracos caros e estúpidos e que vão levar à falência muitos dos que apostaram nesta estúpida aventura.

Somos na verdade um país rico que esbanja recursos e que vive feliz com esta mentalidade parôla.

quinta-feira, março 12, 2009

ADEUS João Mesquita

Morreu um amigo, um homem bom. Já o tinha lembrado no Twitter e não queria deixar de o lembrar aqui no Instante Fatal. Era daquelas pessoas de quem gostávamos muito, embora as convicções políticas não fossem as mesmas. Mas com a sua amizade e delicadeza logo esquecíamos os pormenores divergentes. Fez muito pelo jornalismo e pela dignificação da profissão, mas fez ainda mais como símbolo da amizade e da força de carácter. Jamais te esqueceremos querido amigo.

quarta-feira, março 11, 2009

Alentejo desencantado

fotografia de Luiz Carvalho
Em 1991, com o meu colega António Costa Santos descemos ao Alentejo para relatarmos os dias da fome que se vivia por lá, para a revista do Expresso.
Eram os tempos áureos do cavaquismo. Encontrámos, no tal Alentejo profundo, um desalento total. Aldeias desertas, povoadas apenas nas esquinas por homens velhos sem destino, nem esperança. Gente que esperava com calma, pelo dia do juízo final.
Em Santo Aleixo da Restauração deixámos o carro escondido à entrada da aldeia, e fomos avançando como quem desbravava terra queimada. O país dos yuppies (aqueles rapazolas que mais tarde, até há meses, andaram a delapidar empresas e a jogarem as mais valias do trabalho em casinos) tinha ali o seu reverso, a vergonha: a fome, o abandono, o desprezo social.

Hoje no Alentejo lembrei-me desse dia. Como estava em trabalho, e não nos meus fins-de-semana de descanso, percebi melhor que a vida daquela gente nada mudou. O que mudou foi empurrado pelo natural crescimento da economia, embora muito pouco.

Gente sem futuro. Desempregados que o não são, porque foram postos a fazerem trabalhos nas juntas de freguesia ou nas câmaras (na verdade os grandes e únicos empregadores). Pobreza escondida. Fome, de novo a resignação, a mesma que aguentou o fascismo e explodiu com a festança da reforma agrária.

A senhora que encontrei hoje, 40 anos, com ar de 60, com um dente da frente, falando resignada da sua condição de desempregada, com filhos para sustentar e uma casa (muito digna)
para manter, podia ser o retrato desta pobreza do século XXI.

Uma realidade que Sócrates e seus apaniguados varrem para debaixo do tapete.

terça-feira, março 10, 2009

Belmiro disse

O engenheiro Belmiro fez análise política e apresentou a tese de que o achaque de que Portugal sofre tem a ver com a forma como tem sido governado. O ataque é a Sócrates e por exclusão de partes a outros incompetentes em quem temos votado.
O engenheiro Belmiro é perspicaz e sabe bem o que espera do elenco do governo.

Há anos, enquanto eu o fotografava numa sessão de massagens, depois de um jogo de squash, ele com um ar divertido ia classificando os ministros de um governo PSD, um a um. Era delirante ouvi-lo. Muito crítico, exigente e consciente. E com sentido de humor corrosivo.

O que admira é Sócrates ter arregimentado os patos-bravos, mas pouco ter feito para ter os merceeiros a seu lado. Embora tenha sido este ramo, o da distribuição, o que mais cresceu no país, embora sem criar demasiados empregos para as verbas que movimenta, e sem incrementar a produção interna e a exportação.

Mas na hora do voto todos contam, e o engenheiro Belmiro não irá dar muito enchido para a campanha de um partido que não tem mostrado grande competência em mercearias finas.

segunda-feira, março 09, 2009

José Eduardo dos Santos está a chegar

José Eduardo dos Santos está quase a aterrar em Portugal. A visita oficial vai ser curta e de certeza muito controlada, de forma a não deixar os jornalistas aproximarem-se do Presidente angolano.
Angola é agora dos países com mais desenvolvimento no Mundo, embora a queda do preço do petróleo se tenha vindo a reflectir na economia. Mas nada que assuste o crescimento.
A antiga colónia transformou-se na Terra Prometida para muitos portugueses, embora as dificuldades burocráticas e o regime democrático ainda seja frágil e confuso. A economia tem comandado a política e o resultado aí está: Angola aos poucos está reconstruída, com comunicações, escolas, hospitais. O que mais aflige ainda muitos portugueses é a falta de um modelo ocidental de democracia e a inevitável liberdade de imprensa. Os angolanos que finalmente encontraram a paz acham,e bem, que tal não tem preço e agora querem é riqueza, seja como for. Há dois anos uma influente advogada de Luanda, decana do MPLA, dizia-me que o importante era haver dinheiro a circular e que um pouco de corrupção até permitia criar riqueza e distribui-la. Desde que o dinheiro não saísse do país.
Os angolanos têm um sentido pragmático e deram passos de gigante em desenvolvimento. Com injustiças sociais, embora os pobres acabem por beneficiar da riqueza criada.
Nós olhamos muitas vezes para o lado mais ideológico, como a liberdade ou não de imprensa.
É verdade: devíamos olhar para o nosso quintal e perguntar se é liberdade de imprensa despedir sem critério, nem rigor económico, cento e vinte jornalistas numa empresa que andou a contratar semanas antes. Isto não é Angola, mas por vezes era preferível. Pelo menos as regras estavam mais claras, ou mais imprevisíveis, o que permitia criar anti-corpos.

domingo, março 08, 2009

Cavaco multimédia deixa trabalhar

Um dos "mal-de-vivre" em Portugal é que achamos sempre que para fazer qualquer coisa temos de empregar meios caros, complicados e pôr toda a gente a tirar uns cursos, se possível subsidiados com fundos comunitários para quem os promove ganhar alguma coisa.

O manuseamento das ferramentas multimédia têm trazido uma confusão incrível nas instituições que querem começar a usá-las. Tenho assistido às decisões mais bacocas, amadoras e estúpidas mesmo, além de sempre caras e envolvendo verbas gastas para o lixo.

Há uns espertos que querem fazer da net uma televisão dos pequeninos, outros que acham a net uma réplica da linguagem do papel, outros mais informados, marrões e burocratas, preferem utilizar os termos em inglês aprendidos em encontros rápidos de umas associações estrangeiras que vivem de doutrinarem e depois fazerem umas patetices. O resultado está à vista nos nossos sites: todos com o cordão umbilical na edição impressa, com conteúdos chatos espelhando o que saiu no papel, falta de agilidade, competência, e uma ignorância total daquilo que deve orientar a edição de um site: utilidade, rapidez, destreza, cultura internet, comunidade, "linkagem", interacção com os" visitors".
O que sobra em maçadoria falta em utilidade, em serviço ao leitor. O que se dá a ver com fotografias (?) medíocres, vídeos indigentes e infografias paralíticas, falta em excelência visual, em saber narrativo. Muitos dos conteúdos multimédia que vemos na net são feitos por trôlhas. Lamento mas é a realidade.

Ora, quando abrimos a homepage da Presidência da República temos ali um exemplo do que deve ser um site multimédia. Está lá toda a cultura multimédia: rapidez, serviço ao leitor, fotografias que são do melhor fotojornalismo que se pode dar a ver, vídeos bem captados, bem editados.
Os meios são minimos: dois talentosos colaboradores do Presidente: Luis Filipe Catarino (fotojornalista, ex-Expresso) e Ricardo Branco ( videógrafo e editor de vídeo). Juntam eles como ferramentas: dois portáteis Apple, uma pequena câmara de vídeo e duas câmaras fotográficas. Simples.
Claro que sem a vontade e o entusiasmo de Cavaco Silva nada seria feito.

O Presidente entende os novos tempos e deixa trabalhar quem sabe.

O cavalo de Tróia da Sonae

A minha primeira reportagem para o Primeiro de Janeiro, em 1978, foi em Tróia com o saudoso Neves de Sousa. Viajámos até lá no meu Citroen Dyane, também ia o Vítor Carvalho (que é feito de ti ?) e encontrámos um pequeno mundo turístico, abandonado, como se fosse uma daquelas estâncias decadentes dos países de Leste. E era. O Partido Comunista tinha ocupado aquilo com o 25 A, os camaradas encarregaram-se depois de levar aquilo ao grau de total destruição. Aquilo que era uma das iniciativas do marcelismo para relançar o turismo em moldes internacionais, estava falido.

Hoje regressei a Tróia, onde já não ia há dois ou três anos. Está tudo diferente. Depois da destruição à bomba das torres, a Sonae desenvolveu ali um projecto urbanístico de qualidade. Fiquei francamente admirado. É destes projectos que Portugal precisa: coisas bem pensadas, bem feitas, que possam atrair a classe média para que se produza riqueza e aconteça desenvolvimento.
A paisagem local é deslumbrante, e tudo à volta melhorou, mantendo-se as tradições locais, da arquitectura, à gastronomia, à cultura da terra. As praias acessíveis, com estacionamento e bons restaurantes. Boa aposta.

sexta-feira, março 06, 2009

Ferreira Leite em estilo radical


Faltava a Manuela Ferreira Leite uma imagem, um ícone, uma marca. Hoje a líder da oposição deu um sinal, criou uma moda, vai deixar finalmente qualquer coisa de visual para se lembrarem dela no futuro.
Churchil tinha o charuto, Che tinha a boina, Salazar as botas, Spínola o monóculo, Marcelo a prancha de surf...todo o grande líder tem o seu objecto de culto. Manuela Ferrreira Leite vai ser lembrada pelos seus óculos bestiais, giros, radicais, ousados, jovens, aerodinâmicos. Apresentou-se hoje assim ao público e vai ter mais influência no mundo da moda do que aquele vestido transparente da Fátima Lopes um dia passado pela Cláudia Mergulhão.
Se se dizia há uns anos que Maria Barroso se vestia na Dior e Manuela Eanes na Pior (ao que consta uma boca de Ventura Martins) agora podemos dizer que Sócrates veste-se de Prada e o Diabo usa óculos !!!...

Faria de Oliveira e a sua Caixa de surpresas

Hoje, madrugada dentro, Faria de Oliveira, o ex-ministro de Cavaco e actual presidente da Caixa, esteve no parlamento a explicar através de um longo monólogo de mais de meia-hora, como aquele negócio com o sr. Fino foi uma coisa bestial para o banco público. A táctica de falar muito, empastelar, entrar em citações técnicas, resultou: perante tal maçada é difícil resistir ao tédio. Chama-se a isto matar o adversário por cansaço. O essencial da questão é só isto: pode um banco público emprestar dinheiro para um cliente jogar na bolsa usando essas ou outras acções como garantia? O Senhor Faria de Oliveira responde que deve haver sigilo bancário, e que ninguém tem nada a ver com isso. Fantástico !

Hoje também tive de entrar num balcão de uma Caixa em S. João do Estoril para requisitar um livro de cheques da conta do meu condomínio. Já não ia a uma dependência da caixa desde 1990, ano em que passei as minhas contas para o então BCP. O atendimento da Caixa é uma desgraça. Há uma confusão total, tira-se uma senha à moda da função pública, as caixas automáticas não dão cheques, os depósitos automáticos fazem-se atirando para dentro de uma caixa por uma ranhura. Tresanda tudo a burocracia e percebe-se: aquilo não tem um funcionamento moderno, baseado no online, os clientes geralmente idosos vão para ali e só lhes falta fazerem psicoterapia com os empregados.
É esta a instituição bancária-modeo do nosso Estado, uma instituição que devia ser a nossa caixa-forte e afinal revela falhas imperdoáveis para com os clientes diários e muito polémicas nas suas grandes operações.

Mas meus caros: enquanto esperei meia-hora para ser atendido numa das televisões penduradas na parede, passava o canal CGD (não sei se se chamará assim) com uns gestores e directores a falarem da grande obra benemérita da Caixa ao contribuir com uma verba para estudar a redução de ozono no Polo Norte (ou por ali perto!). Isto não é de ficar de boca à banda ? Ou estou maluco ?

quarta-feira, março 04, 2009

A encruzilhada dos jornais

A encruzilhada no jornalismo é esta: produzir televisão e jornais é muito caro, estes vivem sobretudo da publicidade, e os leitores passaram a ter uma amante que se chama internet. Acham-na mais atraente, jovem, atrevida, imprevisível, surpreendente, brincalhona e, ao contrário das amantes à moda antiga, é de borla, ou custa muito pouco.

Num tempo em que tudo custa dinheiro, tudo é pago, a internet dá tudo a troco de uns cliques e por vezes de alguma informação pessoal, que permite a detenção de uma infindável lista de utilizadores com nomes, idades, tendências por parte de portais e empresas. Uma enorme lista de potenciais consumidores, onde aí se faz o negócio. Os jornais e as televisões alimentaram, por medo, o desenvolvimento da internet gratuita, cedendo conteúdos anteriormente pagos, pondo em livre utilização as mais valias informativas, antes a grande razão para se comprarem jornais ou ver televisão. Para quê comprar em papel o que posso ter no computador, quando quero e gratuito?
A verdade é que ninguém paga para usar conteúdos na net e os jornais acabaram por dar o que antes vendiam. Murdock quer inverter isto, mas o Wall Street Journal é um caso à parte.
O problema é que a publicidade na internet continua a não dar lucros e quando alguns jornais dizem que dá (caso do El Mundo) é mais desejo de verdade do que verdade.

Num artigo publicado na TIME a semana passada, mostrava-se que havia um aumento grande da publicidade na net, só que a relação entre os montantes facturados no papel e na net continuavam a ser abismais. O beco é sem saída, para já. Como ganhar na net o que se perde no papel ou na tv ? Ninguém sabe. Com a malfadada crise tudo piora. Se antes os anunciantes estavam renitentes em apostarem na net, embora seja um meio que permite controlar exactamente quem vê, o quê, e durante quanto tempo, agora ainda menos arriscam.

Entretanto, os jornais tradicionais, que se destacavam das televisões pela informação aprofundada, concisa, por um jornalismo de investigação sério e interveniente, passaram a seguir a superficialidade da televisão. O USA TODAY foi o primeiro jornal sério, já nos anos oitenta, a adaptar uma estrutura gráfica inspirada nos interesses imediatos dos telespectadores ( leitura rápida, fotografia de ilustração e não fotojornalismo, bonecada). Acabou por contaminar muito da imprensa actual, que depois de ameaçada pela tv nos anos oitenta, acabou ameaçada a dobrar pela internet dos anos noventa.
Para alguns gurus do jornalismo (muitos deles pregando o que nunca na vida praticaram:jornalismo) a salvação para os jornais está na ligeireza, na cedência aos tablóides. Para uma recente, muito recente, corrente de opinião de quem sempre fez do melhor jornalismo ( bem explicada na TIME) a salvação dos jornais passa por eles voltarem a ser o que eram: sérios, profundos, bem escritos, com fotojornalismo, com preocupações sociais, com atitude política. O jornalismo aos jornalistas.
Se na vida democrática se pede agora o regresso à política, nos jornais pede-se agora o regresso ao bom jornalismo. É o regresso à autenticidade.
Para terminar com a cereja estragada em cima do bolo, a Google, Yahoo e outras empresas filhas da web II, acabam de anunciar despedimentos em massa por causa da crise, o que infelizmente vem demonstrar que sendo uma outra via para o jornalismo e a comunicação, não são a alternativa, nem tão pouco o negócio do futuro que passa ao lado da crise.

segunda-feira, março 02, 2009

Fotógrafos rigorosamente vigiados no Congresso do PS

Na manhã seguinte à abertura do Congresso do PS, em Espinho, um assessor socialista mostrava-se radiante com a estratégia seguida para não terem deixado entrar os fotógrafos na zona reservada aos congressistas, na grande área do pavilhão. O que até hoje, em democracia, sempre aconteceu em todos os congressos de todos os partidos.

O resultado estava estampado nas páginas dos jornais da manhã de sábado: ali estavam as imagens neutras, bonitas, todas iguais, que davam a ver de frente o chefe projectado no grande vídeo-hall, a dimensão espectacular do congresso, sem haver fotografias intencionais que pudessem pôr em causa a solenidade da abertura.

Os fotógrafos, guardados por um assessor, foram autorizados a deslocarem-se ao meio do pavilhão, junto a uma câmara que dava de frente Sócrates a discursar. Puderam lá estar três rigorosos minutos, e voltaram escoltados de novo pelo assessor, para o lado mais distante do palco. No futebol está-se mais perto da baliza oposta do que ali durante a oratória de Sócrates.
A domesticação da imprensa visual funcionou. O Congresso foi visto de costas, não havia expressões de militantes enfadados, não se sabia onde estavam ministros e companhia, não havia retratos de conversas aos ouvidos, de olhares, de bocejos. Visto do alto da bancada, a mais de 100 metros de distância, Sócrates mal se via, encandeados que estavam os fotógrafos pela imagem gigantesca reflectida pelo video-hall. Melhor do que na Coreia do Norte, onde Kim Jong II consegue transformar a sua ridícula pequenes num homem aumentado a pantógrafo, de imagem fixa em tecnicolor comunista.

Foi tudo estudado ao pormenor no Congresso do PS. Depois de se ter salvo a brancura da abertura, Sócrates no sábado entrou, depois de almoço, pela frente do Pavilhão permitindo umas fotos rápidas no meio do povo. Depois não houve mais aproximação possível. Mas na manhã de domingo, quando a coisa estava a correr bem, os socialistas prepararam uma chegada triunfal de Sócrates. Um grupo de velhinhas, que tinham viajado de autocarro socialista, esperavam Sócrates à saída do carro, os fotógrafos e cameramen podiam saltar-lhe em cima, entre atropelos e gritaria, sabendo os assessores que naquela altura a confusão ficava bem no retrato, mostrava envolvência, interesse, apoio, banho de multidão e dava a ideia que afinal Sócrates e congressistas tinham estado sempre acessíveis aos jornalistas. Competência, sem dúvida.

Na hora do encerramento os fotógrafos voltaram a ser escoltados até um canto do pavilhão e mais tarde conduzidos até ao meio, novamente junto a uma camara de televisão. Quando Sócrates era aplaudido os congressistas levantavam-se e os fotógrafos pura e simplesmente não conseguiam fotografar nada a não ser cabeças.

No final, eu e o Alfredo Cunha rompemos o cerco e avançámos para o palco. Um polícia da segurança de Sócrates agarrou-me um braço e empurrou-me, perante os meus protestos veio outro que me voltou a puxar pelo braço e um deles ameaçou prender-me. Claro que nada disto é grave porque é habitual a segurança tratar com este mimo os fotógrafos. É um clássico praticado por todos os gorilas de todos os partidos. Mas o que aconteceu foi a menina que estrategicamente segurava num ramo de rosas avançou, numa marcação teatral perfeita, ao encontro de Sócrates, um grupo de congressistas jovens fez questão em posar com o líder para um telemóvel. Tudo decorreu num admirável plano sequência, num aparente caos, mas que estava controlado, marcado. Os fotógrafos nervosos, ansiosos por captarem um momento forte, também ali estavam como figurantes à volta daquele protagonista.

O Partido Socialista usou de uma arrogância e de uma falta de tolerância democráticas graves, intoleráveis num partido que gosta de falar em liberdade, mas que na hora preferiu usar aquela ideia de jerico de Pacheco Pereira há uns anos atrás, quando decidiu proibir a circulação de jornalistas nos corredores da Assembleia.

( também em www.expresso.pt)

Sócrates: THE SHOW MUST GO ONE

foto LC/ EXPRESSO
Que mais se poderia esperar do Congresso do PS a não ser espectáculo? Foi na verdade um dos melhores shows que já vi. O melhor no género política. Um brinco de comunicação multimédia, com luz, cor, movimento, som, imagem. O ritmo foi tudo, a emoção, o protagonista. Até o filme quer recordou a vida do PS estava muito bem editado, com imagens fantásticas e com música que contrariava o saudosismo e a emoção do que se via. Perfeito.
Infelizmente a vida portuguesa, a real, a do país profundo, dos subúrbios, das aldeias do interior, das fábricas falidas, dos patrões em fuga, da incompetência, do deixa-andar, do novo-riquismo, da superficialidade, da ignorância e do isolamento social, nada têm a ver com o que se passou durante 3 dias num pavilhão de Espinho engalanado.

O país demagogo, ignorante, clubista, o país das clientelas, dos caciques locais, o país do favorzinho, do subsídio, do engraxatório, do primo e do enteado, o país das Margaridas Moreiras desta vida, pode ficar tranquilo: vai haver tacho, sobrevivência por muito tempo. Aquela encenação digna de uma Leni Reifensthal (mas sem o talento no arrojo, nem a cultura) dos tempos de hoje, foi mais um verdadeiro filme sobre o país da roupa branca, isto é: do branqueamento ideológico, para não falarmos nos outros.
Usando a esquerda como tique, usando a esmola social, apregoando o discurso dos descontentes, Sócrates aí vai prego a fundo.